quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

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 talvez por tanto escavar o que é o "o quê" do "quem", os sentimentos ficam assustados e saem correndo. hoje, eu, sem nome nem nada, não sei sentir coisa alguma. ou é o abismo, ou é nada (na-di-ca). claro que é preciso manter a pose, um pouco de sorriso e afetação são saudáveis e bem quistos (ui), mas atrás do palco estamos todos fumando e esperando... o sinal... o terceiro ato... ponteando a espera com alguma loucura, uma noite perdida, o sono em excesso, distrações visuais, uma vela no templo do corpo. há que se crer muito no próprio nome para sentir qualquer coisa. em cima desse sólido chão do quem se é construir uma torre, um castelo ou uma fábula. no entanto eu ficaria em silêncio por milênios por não ter nada a dizer senão contar o que vejo.
pode-se sentir abaixo da superfície? sim. coisas demasiado humanas, como a incompreensão. e um tédio enorme, uma calma nervosa. chegam até o fundo as barbáries humanas, e o que liga a superfície ao fundo é uma pontada triste. talvez os homens acreditem demais no que são, acumulando riqueza, fama e poder. eu prefiro ficar um milênio em silêncio. não posso fazer muito então escrevo o que vejo e finjo esquecer.

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já não é preciso falar de lamentos inventados. o amor é isso: cresce, frutifica, morre - e esperaremos morte e ressurreição como qualquer sábado de missa, até nascer outro amor. por isso pouco importa, ao mundo e aos que tem dúvida, ouvir falar de amor. há outras perguntas esquecidas, deixadas para trás no turbilhão do fascínio romântico que nos leva cada vez mais para baixo: o que é ter um nome, se eu não sou um nome? 
meu nome é uma cortina para o que sou. atrás, o espetáculo corre solto, manso ou frio. mais uma vez, eis o fio fino da lâmina do romântico: o que se ama, o nome ou o estar? quem é aquele que por trás do nome sente-se amado? o outro é sempre um mistério crescente - quanto mais próximo, maior e mais profundo. quando se fala ao outro, fala-se ao outro ou a si próprio refletido no outro? será o outro o interlocutor impossível, sempre distante demais daquilo que eu quero dizer, sempre incapaz da compreensão plena? o interlocutor pleno vive dentro de nós (?), e o chamamos deus pois ele nos ouve e dá a resposta plena e completa do tempo: o silêncio. 
vive aí o espetáculo atrás do nome, o monólogo (?) ininterrupto de nós (eu) para o lago profundo dentro daquilo que somos (o não-eu, o reflexo do que dizemos que nos volta alterado e imperfeito). até onde somos alguém, muitos, dois, outros, o outro?
ao redor flutuam as perguntas esquecidas. no fluxo dos lamentos inventados de amor, é preciso não chegar onde ele deságua (da boca pra fora), mas voltar à nascente e descobrir onde ele se origina. nada disso é sobre o amar. estamos falando, detrás das cortinas, de solidão.