terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O fascismo senta ao lado


 às vezes, por acaso, a gente se senta à mesa com o proto-fascismo ao nosso lado. fiquei com a impressão do encontro no peito e me vi pensando.

 primeiro, ele defende o estado mínimo, o livre mercado e os governos liberais (guardem isso na memória), pois seus interesses são: a facilidade no consumo, pois para ele  não há restrições ao consumo devido ao seu poder de compra, e, se houverem, devem ser abolidas. a eliminação dos impostos (a diminuição seria o suficiente?), pois além de uma restrição ao consumo servem como manutenção do estado (por ele dito) paternalista. ele não enxerga, por exemplo, que metade do orçamento nacional paga juros da dívida aos bancos (pai dos bancos). ele não enxerga a necessidade da manutenção de serviços públicos, pois ele não faz uso tampouco reconhece a necessidade de parte da população que faz uso dos mesmos. ele diz que o estado é ineficiente, pois os serviços são de baixa qualidade, porém não vê que o estado (enquanto aparelhamento da burguesia para proteção dos interesses de si própria) não tem por quê melhorar esses serviços: seu objetivo é amparar o mesmo mercado que ele louva, não garantir serviços de qualidade, que acabam sendo usados como moeda de troca e compra de votos entre o povo (visualize qualquer político inaugurando hospitais em épocas de eleição). hospital esse mesmo (ou metrô, trem, escola, etc etc) que foi construído por grandes companhias multinacionais da construção civil que ganharam muito dinheiro em licitações (em sua maioria) suspeitas.
 ele defende a privatização de tudo que é do estado crendo na maior eficiência destes, sem ver que, no entanto, a lógica de linha de produção precariza ainda mais esses serviços (diagnósticos em cinco minutos, educação exclusiva para aprovação em testes, materiais de baixo custo, flexibilização e terceirização do trabalho sem garantia de direitos, ad infinitum). em tempo: os serviços que ele usufruirá serão de alta qualidade, pois ele poderá pagar por eles. o fator preço impede parte da população de usufruir das mesmas qualidades. mas ele não se importa, pois para ele "quem não pode, não merece".
 sua visão é meritocrática pois ele ignora o contexto social e histórico no qual vive: sua referência é o trabalho dos pais/avós (ignorando qualquer privilégio - aliás, ele não reconhece oportunidades como privilégios) e as exceções (mendigos que passam em concursos, pessoas que caminham dezenas de quilômetros para estudar, como se o sacrifício extremo fosse correto. ele caminharia 20km para fazer uma graduação? ele dirá que sim, pois dificilmente viveu ou entende de situações extremas). ele não conhece o operário comum, e deprecia o que vê - crê que as classes mais baixas não gostam do trabalho pois, se gostassem e fossem esforçadas, estariam melhor. oras - logicamente ele não passa duas horas no transporte público, ou sofreu racismo, ou foi impedido de continuar seus estudos por ter passado fome, não sofre com sexismo, objetificação, abuso sexual, criminalidade alta, repressão policial, preconceitos em outros formatos (gênero, linguístico, regional, moradia, cabelo, roupa, etc) - condições de trabalho precárias, negação de direitos, exposição a situações de risco físico/moral. as oportunidades sempre lhe aparecem sem obstáculos, pois ele é opressor e por isso é aceito dentro dum sistema de opressão. por ser aceito, crê que todos terão as mesmas oportunidades que ele.
  ele é cego para todas as formas de opressão, devido à esse privilégio. deprecia o feminismo, pois para ele o feminismo é diferente da luta pela igualdade de gêneros (!!!), já que o feminismo prega o ódio contra os homens (!!!!!). ele cria essa cisão feminismo radical/luta genérica por igualdade para diminuir o movimento com poder de transformação da ordem (o feminismo combativo), já que sua proposta de luta por igualdade é nada mais do que uma manutenção da ordem (lutemos pelas mulheres, desde que nos termos dos homens, guiado por homens, dentro de um sistema essencialmente sexista, sem alterá-lo). ele é, portanto, conservador (porém liberal no que concerne ao seu bolso, lembra?), e deprecia qualquer movimento de libertação da estrutura da qual ele sobrevive - a luta do povo negro, das mulheres e das minorias sexuais é também a luta de classe.
 para sustentar seu argumento, explora o velho caso do desertor (a ex-feminista, o ex-comunista, o gay conservador), como no caso das exceções. explora-os como se eles ditassem a regra, ignorando a relatividade desses casos solitários, que podem ser aplicados a qualquer ideia de desilusão/fracasso que não invalidam a solidez das ideias, mas atestam a fraqueza do individuo. além da relatividade, ignora os fatores frágeis que criam tais exceções: desequilíbrio emocional, casos montados, busca da fama, deturpação das ideias antes adotadas ou, muito simplesmente, falta de caráter. 
 ele não vê isso pois é cego para o outro. ele é fechado para o questionamento. o diálogo é o questionamento incessante - trocar ideias, compartilhar com o outro é antes de tudo olhar para si próprio e questionar-se. ele não está tampouco aberto ao diálogo consigo, pois perturbar a ordem em que ele próprio vive seria insuportável. 
 ele já é fascista. esperamos que, quando descubra, tenha vergonha de si.