sábado, 20 de dezembro de 2014

Dois Versos de Boa Noite


 longe do sol
 que a contorna
 a sombra não é forma

 anoitece e descontornado
 me conto histórias
 para dormir

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Poema (ditado pelo espírito...) - V


 - qual seu nome?

 meu nome?
 não é meu
 nem eu o tenho

 ele é quem me tem

 eu
 não é primeira pessoa
 és antes ou depois

 éres repleto
 sem forma

 um cheio
 nu vazio

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Desejo II

 animal, entra
senta em minha casa

toma minha mão pra si
guia-a dentro
das tuas vísceras
febris

arranca com minha mão
a espada fincada
em ti

 ***

descobre em mim
o nada

esquece meu nome
minha fala
tudo que escrevi

descobre em mim o nada

ali estarei

***

serei teu, violeta
sangue da raça
livre e sem fim

penetra canino
na carne

separando teu corpo
de mim.

Clima, Chuva, Uma noite


 o que há
 é o que não é

 a música, este vento, esta noite
 essa delícia - o gelado no rosto
 e a rapidez com que se esvaem essas noites
 de movimento, tranquilas

 estas coisas todas, hão;
 nós, não.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Insistência


 eu estava naquelas ruas pequenas que acabam no vale, que dão na República, que nunca acabam; do céu pintado caia aquela chuva insistente mas trapaceira - não molho nem paro. andei até a Santa Ifigênia com aquela insistência: tentar esquecer é insistir em lembrar. 

 ainda na Sé, eu pensava - o que serei se esquecer? sem a tragédia, sobra a dissonância soando errada numa peça sem harmonia. eu fico só e meu nome. 

 lembro constantemente da memória que preciso apagar. não como efeito colateral, ou impossibilidade, ou paradoxo; é o objetivo escondido nas frestas. fingimos querer esquecer a modo de nos lembrarmos constantemente - eu piso no vazio com a surpresa da obviedade.

 viro a Nothmann. almoço. sem onde, volto.
  
 tentar esquecer é insistir em lembrar.

 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Danço


 o pão
 conforme
 a fome

 o chão
 conforma
 o passo

 eu danço
 conforme
 a lança
 trespassa

 eu danço no espaço
 da fome

 me lanço no espaço
 do rasgo







sábado, 29 de novembro de 2014

Urjo


 a violência contida
 no silêncio
 desejo

 pois calo, porém não fujo

 sei da fraqueza
 do discurso

 por isso calo: urjo





Mundo


 mundo: tu és
 cebola

 camadas mil
 finas

 sob a terra
 cresces
 inexplicável

 desvendar-te, entretanto
 recortar-te, por dentro
 me faz chorar.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Deseubrulhado


 eubrulhado
 em papel
 laçado

 me fitilho, enrodilhado!

 presente - aqui? a quem?
 ao largo
 vou me dar-me
 algo

 dar-me-ei-me a mim mesmo!

 deseubrulhado

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Perhaps


perhaps
 unveiled one day
will be there - light
 and lust
carving a path
 thoroughly
through guts
 and flesh
perhaps, perhaps
 one might guess

from a body dry
to another's chest

sábado, 25 de outubro de 2014

Por detrás


 poema de palavra
 faminta
 clama, pede, grita

 que quem leia lhe preencha
 de vida, de algo, de nada

 revele na calada
 o que há detrás
 da vírgula

Rasgo


 todo evento
 deixa
 um indício

 corte, facada
 eco do que disse
 o vício

 mesmo fundo
 não importa
 se seremos sobras

 tudo que há, é
 um silêncio surdo
 num fim de festa,


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Perguntar


 "no sonho, era assim: você estava entre nós. você tinha 14 anos. você era amável e doce teimoso, me gelando a espinha. insuportável leveza, e a culpa - o juri te condenará pela eternidade pela leveza pintada a mão."

 ser é leve ou pesado? eu estava prester a dizer que dói viver, mas então me dou conta que não sei. para se afirmar algo é preciso a confirmação, a nota de rodapé necessária, o asterisco. é necessário abrir o sapo das coisas e ver um coraçãozinho batendo frágil, caberia num relógio de pulso e afirmaria que sim: dói a vida. eu não abri o sapo então não sei, não direi que dói, pergunto to whom it may concern: dói viver? é leve viver? é pesado viver no fundo? no fundo dói? e na superfície? e na pele? e viver na pele? e viver fora dela? 

 você ora antes de dormir? como você pensa deus? ao redor da sua boca vivem criaturas fantásticas que não pensam em nada, elas nadam, nadam, nadam... no café pela manhã. e então nos apoios do metrô, e nos corrimões, então na sua mesa, nas mãos dos colegas, e as criaturas rapidamente se trocam e se conhecem e partem. elas liquidamente trocam amor e ódio e nada, enquanto você dá o gole no copo de outra pessoa. pensou nisso? o que é conhecer o obscuro de nossos pensamentos? quando que eu fecho os olhos e sonho: você estava entre nós, 14 anos, amável e teimoso (eu não te conheci com 14 anos, o que torna o sonho mais obscuro). olhando de cima veja, tal como as criaturas ao redor dos nossos lábios nós somos, logo mortos e portanto infinitos no nosso existir. tudo nos ignora, e ignoramos quase todo o resto, mesmo assim... a persistência do pequeno mistério das coisas: ser é leve ou pesado? é propósito, despropósito, ou propósito em não ser absolutamente nada, desprovido de causa e destino? rapidamente trocamos impressões superficiais de existir e logo nos partimos em vários - melhor buscar alívio ao lado - queremos nos deletar, nos suprimir, nos resetar, porém impossível é pois aí estamos no pequeno pulsar, mistério de ser, pergunta: leve ou pesado? incrível essa leveza, não acredito e nego, eu sei cada peso que me puxa para baixo, baixo onde não sei, mas insisto.

 todos puxados para baixo, mas você flutua, e seus pares, e suas danças, e seus pares, tantos outros... por quê alguns afundam tanto? alguns não suportam e perdem todo o ar, a consciência, tomam pílulas e perecem, acordarão na praia do alvorecer, num outro tempo se é que existe. você não tomará pílulas, tomando drinks de normatidão e leveza. dói ser leve também? e pela noite, como fica? contarei: pela noite é mais difícil. meu sono é profundo, antes eu tinha medo de dormir até. podia até ter a pachorra de pensar em cada uma das criaturas vivendo no meu corpo, e no que viviam e por quê viviam elas, e vinha o medo - pensei já também em você. você nada ao redor dos meus sonhos, nada nada, pensando no infinito vazio e rapidamente se desfazendo. mas a noite como será teu sono? pesado ou leve? como se pesa o sono, e o sonho? é por kilo? 

 no final do corredor, a morte vara e ronda. eis-te. é leve ou pesa? ou ignora? eu queria, acima de tudo, te contar como eu não ignoro a morte, ela vem e conversa comigo. talvez, assim, eu fosse a ti objeto de amor - uma fantasia rara, beirando a seriedade mas ainda sim apenas pobre. pois, de fato, assim como as criaturinhas nas nossas unhas e mucosas não queremos amor, queremos permanecer, queremos perpetuar, queremos nos reproduzir em ideias e lembranças e estigmas. ninguém há de querer amor de ninguém, pois amor é a mão lançada - 

 espera. para afirmar preciso do asterisco, do cientista. não sei mais portanto e pergunto: amar é a mão lançado ao outro? queremos amor? queremos furor e suor e cansarmos? dói querer? 

 dói perguntar

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Para quebrar o silêncio


 me dói ver a tristeza
 te tocar nos ossos
 quando do ressoar
  dos sinos da igreja

 marés do acaso que tangem e partem essas.

 de toda forma: para quebrar o silêncio
 nada importa! toma
 meu ávido desejo de alegria e
 toma!

 saboreia a maré do acaso
 vai ser gauche - leia poesia
 coma do medo teu e conversa
 com teus mortos. sente-os a mesa.

 para quebrar o silência
 para eles leia
 um poema.


domingo, 21 de setembro de 2014

prólogo


 cheia de intenção a mão toca o vazio - graciosa. uma bailarina sem plateia, diriam os poetas, sem propósito porém ansiosa; e cega. não mantém a forma fixa de estar segurando algo? um papel, um lápis, uma mão qualquer... no repouso retraída de lembrança, trocada em átomos com tudo que há  - o teclado do computador, a maçã, o dinheiro. biblioteca do corpo, conhecedora da forma. e essa forma fixa persistente, esse átomo que ficou ali sobrando, tanta sujeira, lama, restos, corrimão; conhecedora do impuro.
 a direita segura a faca, a esquerda a gaze - justiceira e amparo.

 mas no momento ela estava parada no seu seio esquerdo, rígida e lúcida, mas não era ela, era o medo, era eu. medo e lúcida, rígida e esquerda, você pode me descrever para seus amigos no meio tempo em que eu fui ao banheiro e voltei, nos sussurros, nos risos - eu preferia levar um tapa. talvez você o fez e eu não me atentei, o que importa era a mão parada de musa, mármore, minha no teu logo após enquanto ninguém olhava. duas musas, mudas, se tocando pela primeira vez na imobilidade do mármore.

 quem viu esta cena impressionista fui eu apenas, frequentadora de artes plásticas diversas e sonhadora infinita. no seu romance secreto, meu quadro fugaz é uma nota de rodapé - eu, lamento. aí a dor maior de existir: ser pequeno ao outro, ser desconhecido do outro ou não ser nada - eternamente - nada além de uma sombra. eu estava triste e nem estava ali. minha morte está cravada nesse eterno/nada/alheio - aí eu mergulho nesse lamento de existir e viver e chorar e etc etc etc. move-me no vazio o ambíguo, o incerto, o vacilo, e sem isso (ou sem você.s) não haveria o combustível primórdio de movimento. pois, desde o início, eu era reticência e precisava me preencher.

 suas mãos me preencheram muito bem - molhada. por fora. mas era o limite e era tudo. eu rescendia ao rio que corria em mim, mesmo que estátua. "quando você chega?" era minha pergunta boiando no rio e eu molhadíssima, eu violenta sempre sempre sempre imunda e rápida, ainda que no recato. "não quero dedo" mas me arrependi depois. cheia de intenção ela toca o vazio, e eu sinto - ela é bailarina.

 um papel, um tecido, uma mão qualquer... meu rio desemboca no retrato gasto dum passado sem cor, inválido, pouco muito pouco. minha emboca num gesto frívolo - e se perde - nos sedimentos: forma fixa, persistente, areia que fica ali sobrada, tanta sujeira, lama, restos - na boca do amar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Marquise / Bobagem I


 morta de medo
 cai a marquise
 de chuva

 cai de assustada
 na beirada
 do pensamento

 pobre marquise
 enferrujada
 pobre de mim
 passeio

 me veio cair na cabeça
 esse anseio - loucura!

 cair de partir-se no chão
 - mil pedaços!

 humano peito.


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Um outro conto (VI)


de "uma carta de ensinamentos e percepções para um pássaro"


 "... 

 pois, afinal, quem lhe deu essa impressão de leveza?
 você é pássaro segundo, bicho depressa. não se atente aos detalhes e verá, saberá, como dever ser estar só e caído de asa quebrada. olha a vida na relva e repara - repara o orvalho - repara o falso trigo. eis que talvez na tua vida depressa de bicho-voador não há nada que ver a relva e seus mistérios, mas ai, que dor ! aqui a vida vibra também, tem o vento... 
                            
                  eu nem sei explicar
 teria você que vir e ver

                                                                    a água pela manhã, que linda
                              num mundo tão difícil
          eu até te vejo, pássaro

          te vejo e te quero
na beleza dos detalhes.

..."

domingo, 24 de agosto de 2014

Teu


 teu
 cópia da cópia
 de mil cópias
 de xerox velha

 um borrão
 na memória

 cópia da cópia
 teu
 ontem, hoje
 e um outro dia

 uma cópia da cópia
 indistinta

sábado, 23 de agosto de 2014

Areia


entre papéis,
perda;
adentram cartas
pela soleira

você pergunta por nomes:
nomes se perdem
na areia

ficam as cartas
tantas !
contendo de amares
violência

naufragados, fundo
na ausência

do século passado
a semana
inteira.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Rotary


 a praça rotary
 é um quadrado fixo
 no meio da santa

 ela encara
 descrente
 a falta do cheiro manhoso
 do café, matutino
 sinal
 - a cafeteria point
 está perdida
 desde março desde ano de nosso senhor
 meu deus
 comércio e serviços
 permanecem atônitos
 os mendigos se questionam
 eu: por quê?

 mande lembranças
 estamos à sua procura
 como se as frases perdessem seu ponto final
 arrítmicas
 não haverão manhãs sem point; cafeteria

 a praça rotary
 é um quadrado atônito
 na mirada
 fixa.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Quis voar, barco


 conta os dias,
 com tua calculadora
 de astros!
 fica a sombra
 no rastro

 lastro meu! viga
 prende-me em superfície
 quis voar, barco
 sem perceber...

 flutuando no céu,
 é do mar também,
 a água.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Cratera


é dito que todos
dentro de ti
tem lunar
uma cratera
feita de escuros
nós e elos
depositamos ali
tal qual aterro
teimas, mitos
ventanias - agreste 

ah, mas por fora,
fora - tantos risos!
vamos ao cinema
domingo

sobrevoamos a cratera
e rimos... 




sábado, 26 de julho de 2014

Poema (ditado pelo espírito...) - III e IV


 more-me miríade !
 ria de mim.

 dê-me medo
 ao meio dia.

 mantenha-se
 imiscuída
 nos restos, cinzas.

 és mural, quimera !
 morre-me cedo
 matutina...

 cala-me flor,
 gotejando
 fina.

 ***

em silêncios
espavoridos
dorme
oblivion

num livro
sem dedicatória
fico
oblivion

e passa, passa
cada dia
conforme
oblivion

"até um dia, à deus"
acordo
e digo;
oblivion.

you, inhabitant
delicate form unknown
lead me straight, regardless
into the depths of oblivion.


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Intransponível


se te tomar pela mão
aceita :
varrer com dedos
teu contorno;
prova de mim
o todo -
mesmo que fique
lívido

tomai e comei - este é o meu corpo
fronteira intransponível

tomai e bebei - este é o meu sangue
sem remissão ou benção

apenas vivo

domingo, 20 de julho de 2014

Se meu corpo


 se meu corpo não me pertence, como posso com as mãos tentar tomar um outro - intransigente, raivoso? egoísta - como os homens em princípio e eternidade. antes de levantar a voz já me perdoe: faremos com as memórias o que faríamos da argila - moldar, transformar, suprimir o sólido e criar o oco.
 então guardaremos nelas aquilo que nos parecer melhor.
 preciso aprender com o que toquei. aos amantes as alegorias são fantasias práticas, não pedras de erguer casas. dada a hora, fez-se o tempo de aprender a regra e abandonar a sede das mãos. diante dos grandes prédios ser brutalista e concreto, direto ao coração como a ponta da bala. pois nada é meu. tudo que é possível é a ponte direta, a palavra nua. o resto é máscara para a solidão. 

 mas não é a solidão completa também nua e próxima? há tanto é buraco negro. escrita crassa. comer da solidão é mais humano. mata a sede, afoita. não nega a falta de posse, mas imerge no desdobramento de ser, em ondas pequenas quebradas, múltiplas. então jamais tentarei tomar de assalto qualquer outro universo - lançarei a solidão ao ar e, onda de rádio, ecoará no espaço infinito.

 ***

 eis que, entre solidão e posse, existem as coisas do ar e dos olhos. o dia que nasceu virgem e prossegue dourado - meu? posso chamar de meu o que me contêm? casas, cidade, rua, bar - meu? aniversário, quarto, pensamento - meus? não seria eu das coisas, tão oposto? 
 pertence à mim o corpo ou ao corpo pertenço eu? 
 na dúvida eu abri as portas e fugi pelo dia, tão de ninguém.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Explique-me


 onde perdi meus olhos?
 o que é este ronronar no peito?

  - animal desconhecido, calado, que me observa sem palavras nos olhos
  onde perdeu meus olhos?
  passado o porto dum desespero leve estou assim ... navegante em águas incertas.

  uma fita se desenrola, flutua, gesticula
  ouço uma sinfonia lenta que me abate aos poucos (é manhã)
  mas na boca, o azedo silêncio da ausência -
  contra o café doce. 

quisera
 teu pensamento
 entre minhas mãos
 fosse.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Poema (ditado pelo espírito...) - III


 inseto
 teu som me desperta
 eu, atento ao vôo
 não - ao sono -
 me entrego

 inseto
 roídos muros
 faz morada
 de mim
 dentro

 entristece-me, inseto
 tê-lo dentro
 e não perto.

domingo, 6 de julho de 2014

Íntima


 esquina - caio prado
 alguém fuma
 cigarros

 da sua janela acesa
 fumaça
 abraços

podia ser eu
entre os dedos

 alma aos céus
    e o corpo queimando
     lento.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Monólogo (trecho III)


 [ele] : joana, em verdade
           fecho meus olhos
           na tua ausência.

           sou apenas reminiscência.

           terei outras
           mas serei teu
           como sempre e antes

           entre velhas e secas amantes.

           você me perdoará
           até o novo amanhecer
           entre outros mares

           e marcas de semblantes.

Descobrimentos


 olha-te
 no espelho
 longamente

 fale-te
 grita-te
 espanta-te

 tenta-te
 lamber
 o joelho

 circunavega-te
 eterno
 quebra o encanto

 nada é pecado
 ao sul do queixo.

Sunset


 sunset

domingo, 29 de junho de 2014

Eis-me


 há sono, mas não durmo
 a hora é errada. pena.
 nas costas, quem há muito não vejo pesa
 dos olhos - mas despertos.

 quem me viu sair não sabia
 manhã aberta - portas janelas
 que ao voltar fechada e vazia
 repousava a casa minha

 eis-me aqui, agora
 prolongando o dia abatido

 ao meu eu não retorno
 fora de mim
 fico

Silencicídio


volver 
à vulva

desfazer 
o tempo

se fazer caber
no buraco negro

- acabar, por fim
  no começo.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Mattel


 polímeros olhos
 fitam distantes
 o que não há
 nem poderia

 fios elétricos
 na barriga

 andam, falam, cantam, matam
 até cagam
 bonecos modernos

 alguns estão,
 acredite você:

 vivos.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Desejo


 vem, em segredo
 animal arredio
 sussura esguio
 ao ouvido

 aperta este corpo
 frio
 contra si

 a favor do vento:

 dentro
 de ti


 ***


aperta contra si
sinal violento

aperto contraído
em mim

vem em lampejo
animal, silvo

me toma de estampido:

me guarda
em ti


***

sou teu, violeta
sangue de caça

morde sem pressa
a presa

penetra canino
a carne

separa meu corpo
de mim.







Cartão Postal



 avança

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Elevado, elevado


elevado:
a chuvarada
lavou
meu passo

quem seria costa e Silva?
eu
te rebatizaria

vou te andar num sábado
 - te voltar domingo

 - te deixar pra sempre
e guardar comigo.

domingo, 8 de junho de 2014

Memo


os prédios tortos de Santos estão dizendo coisas
crentes que estão em piza

do lado de longe de um barco
estamos nós, gaivotas e rochedos

essas coisas dizem coisas
que os banhistas nos lembram:

nunca se apaixone por alguém 
             que não goste de longas caminhadas.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Poemas Outonais III


 por favor
     - parta
 no ar da tarde
 a falta

 peço,
  - reparta
 dê de comer
 à ausência

 até que fique farta.

terça-feira, 27 de maio de 2014

domingo, 25 de maio de 2014

Rara


lembra você
da chuva rara
que se acabou
em correria?

não foi um tempo:
só uma tarde

dobrada seca
entre páginas
vazias

 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Reencontro


 estes átomos
 meus e teus
 que agora
 percebes
 - com mãos e ventres

 são poeiras
 antigas demais

 inevitáveis
 seremos sempre
 um
      - reencontro

 
 

Meteoro


  era preciso orbitar
 
  não colidir
 
  e em mil dividir
 
  de carnes e vísceras

  um corpo estelar


domingo, 11 de maio de 2014

Em te, diante



 em te -
 diante -
 ver
 passar

 passei
 o :
 dia
 sem
 falar

 dias
 ante
 em
 te
 adiar

 passeio:
 cem dias
 falar.



domingo, 4 de maio de 2014

Faz parecer


 eis o teu corpo:
 prédio trincado
 templo santo
 condenado

 embrulha-o fino
 em papel ou seda
 faz parecer
 não-perecível
 um corpo tecido
 em fio delicado...

-


 laranja fim
 dominical
 dói feito
 fruta no pé

 morde molhado
 arrepio
 na pele seca
 do sol

 se pondo semente
 no chão
 roída na boca
 do céu

 cor horizontal
 dor em mim:
 assim sempre domingo
 todo fim.


domingo, 27 de abril de 2014

Consequência

sentido raso
clara praia:
criança afoita
na areia

cava um buraco
negro
que no peito toca
a artéria

passarão marés
migratórias
constelações
aves vermelhas

fica o buraco fundo
cavado
na areia.

terça-feira, 22 de abril de 2014

domingo, 20 de abril de 2014

Sobre desaguar


 imagina o susto
 do rio
 _embocar
   o amazonas

 eu rio todo
 ao tremer
 a boca

 navegante - beija
 a nascente
 afoita

 permita agora
 que este leito
 _ profundo e moço
    te envolva.


 



quarta-feira, 9 de abril de 2014

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Poeira fina


 amor disse
 afoito
 lhe mordesse
 al dente

 amordaça
 a boca

 amor talha
 a carne

 amor fina
 a calma

 amor tece
 a alma
 em longos silvos
 fios de prata



Sob a tarde


 a tarde é uma velha
 bordando crianças
 num pano de prato

 tecendo cabelos
 num campo de prata

 o fio da meada
 se perde travesso
 na densa risada

 a velha se senta
 na escada.



domingo, 30 de março de 2014

Sinais


 se um copo quebrado
 na mão
 sangrar
  
 ou um medo profundo
 morrer 
 de rir

 és tu, cavaleiro
 da caixa de sapato
 querendo sair

 és tu: cavaleiro
 uma trilha no peito
 abrir



Triste


 és vazio
 por completo

 sob poesia
 sobra concreto





sexta-feira, 28 de março de 2014

À beira do sono


suspenso
à beira do sono
me lembro

não ouso
seu número:
receio

escrever o poema
é enfim
o único meio

de dizer aquilo
à beira do sono
suspenso.

Poemas Outonais


 poetizada folha
 ao vento:

 sem cabimento

 rota fixa:

 colide direta
 com meu pensamento





terça-feira, 25 de março de 2014

Granizo


 algum dia
 eu granizo
 atemporal

 ainda caio
 no quintal
 do teu silêncio

 vai ser tu
 olhando
 da janela

eu à espreita:
                    no vento.


domingo, 23 de março de 2014

Poemas Outonais


- suspiro
espiral
espera
o outono guarda
aguardada fera.
- grito
sazonal
cantiga
o outono mata
a canção antiga.

sábado, 22 de março de 2014

BWV 883


 pelo silêncio
 fiquei surdo:
 não por barulhos

 doce estribilho
 que já não escuto

 ave secreta:
 sopra teu canto
 entre sussurros;

 pelo silêncio
 não por barulhos.








quinta-feira, 20 de março de 2014

Um poema de morrer


 tem gente pedindo o sangue do justo
 no poste
 em nome de deus

 deus anda meio sumido, silencioso:
 quê dirá?
 se não há nada a dizer

 amanhecemos no espanto;
 tem sangue no asfalto

 os culpados sorriem:
 papéis na bolsa
 e salto alto.



segunda-feira, 17 de março de 2014

Ferida


 eu afago o tempo
 como a um gato

 fizemos as pazes:
 já não me arranha

 minha revolução
 não será televisionada

 rasgo o roteiro adaptado
 da vida pré-produzida

 quero comer a realidade
 à mesa não importa como

 talheres de ossos quebrados
 louça de pedra fundida

 buscando no seio rocha
 nascente esquecida

 brotando sangue ou água
 fluindo n'aberta ferida





quinta-feira, 13 de março de 2014

Ausência 2


 nunca mais
 é um de repente
 incessante

 boia frio
 surpreendente
 o instante

 antes fossem
 ditas secas
 as palavras

 "fica: espera
  a hora deserta
  e aguarda"

 mas ditas inversas
 mataram meu conto
 a punhaladas...


Ausência


 disse: some
 tu ausente
 é dor minguante

 qual o quê -
 foi um erro
 latejante

 a lua dissipada
 não é nova
 nem amante

 fico eu arrebatado -
 nunca mais
 é muito grande


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Br eu


 não queria falar de si
 mas afundado num br

                                   eu profundo
 verbalizou-se.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014


how unbearable the light
coming from down under
your view

such a nice view
...
like a ship
growing nothing but distance

oh!
it's such a nice ship
never coming back; from the night
                       dark and smoothly

crossing an ocean unseen 
forgotten or mislead
it's the ship.

how come I've seen your hair - touched it 
and now as known
I'm lost...?

you, naively, grim.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ensine-o


 ensine ele a olhar o céu
           não sair de domingo
           rir das piadas bobas
           procurar teus olhos

 ensine-o a ser paciente
            nomes de estrelas
            canções mais bonitas
            caminhadas noturnas

 ensine os verbos necessários
            desconstrua suas roupas
            desarme-o
            admirar nuvens

 ensine ele os versos livres,
            e a ser diferente. ultimamente
            o mundo tem sido tão constante
            e tão igual. a gente precisa de gente
               
            que escreva poesia.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Um poema sincero


 queria escrever uma poesia
 de silêncio

 hoje, muito especialmente

 dizer não vale nada
 cantar não vale a pena

 queria escrever silêncio
 e basta
 daí um respiro fundo -
 a calmaria.



sábado, 18 de janeiro de 2014

Poema (ditado pelo espírito...) - II


 eu não sei fazer poemas
 você atreve

 me esmiuça feito um bicho
 de cinco pernas
 e corpo leve

 se eu morrer, não reclame
 se eu correr, não se mate
 se eu voar, não desate
 se eu morder, não entregue

 você que insiste, menino
 esmiuçando a vida breve...

Poemas (ditado pelo espírito...)


 enquanto você estiver em silêncios
 nada importa

 podem acumular as poeiras
 milenares
 ou virem canto dum pássaro
 madrugueiro

 ninguém acordará
 nem eu 

 no silêncio você constrói uma casa de pedras lisas
 gasosas
 era manhã. na hora sem sombras

 só a tua
 sol a sol









sábado, 4 de janeiro de 2014

Ribeira

a solidão me corta como aquele rio
da planície

três partes iguais da mesma terra
que um povo costura
com pontes suspensas

navegar é mais longe
aqui ninguém atraca

a solidão é algo assim, sinuoso e comprido

onde só se sabe partir.

 


quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Melhor era tudo...

cada gota da chuva é um evento
som, estilhaço,
arrepio

numerosas como poemas de amor
repetidas como poemas de amor
frias como poema de amor

todo mundo tem um laço no dedo
de lembrança
dia desse dá tropeço forte
na calçada
caindo menino
se erguendo mosqueteiro
sem notar a mudança

louca óbvia lívida

mosqueteiro não é só adulto
mosqueteiro escreve poesia
menos frias que gotas de chuva
menos numerosas que gotas de chuva
porém com arrepio

seu coração não foi feito pra ficar no céu
foi feito pra cair.