terça-feira, 9 de agosto de 2016

Poema (ditado pelo espírito...) - VI


 trill em dó grave, crescente, magnânimo
 ao ponto de, estanque, cru e seco
 matar um sexo, prisioneiro
 verde peixe viscoso
 em seu próprio lago

 pérola imprópria, é;
 você num sempre, eu ausente
 poema negado.
 

terça-feira, 26 de julho de 2016

-



 a água sobe do ralo
 jorrando restos átomos
 que o banho me livrou

 rebelião triste das nossas águas passadas!
 ocupando cozinha e serviço
 persistem, porém fracos
 virá alguém pronto
 fazer voltar o tempo comum

 ralo - trabalho fácil
 quem, pergunto, quem
 desobstruirá suez, mumbai e lagos?
 as bordas do rio pinheiros
 os morros do morumbi



 


 

terça-feira, 21 de junho de 2016

Lamento


 oro em prata
 choro em ouro


 terno soco      
 ou fissura
 no fígado
 súbita ternura

 clamor duma ausência
 bandeira branca, nunca

 punch veludo
 choro rouco
 luta, luta... 
 
 clamor duma ausência
 bandeira branca, nunca




sexta-feira, 10 de junho de 2016

Felicidade-Shopping


 que coisa engraçada a gente é quando se descreve. principalmente na internet, nos aplicativos, currículos íntimos... há sempre algo sobre felicidade, paz, boas energias e umas calhordices assim.
 fiquei cansadinho de tanto vocabulário positivo, alegre. me veio uma frase: eu não confio em gente feliz, mas não sei quem disse. ou o ser é cego ou é canalha mesmo - olha esse mundo aí - ser tranquilo e feliz num carro indo prum shopping, por exemplo. do lado de uma favela perto dum córrego poluído no ar poluído. aí um menino pede no sinal. o sinal abre. e aí várias filas, do estacionamento à loja de porcarias, passando pelo restaurante de porcarias.
 você sai, um homem dorme na grama em frente ao shopping.
 bom, isso tudo ainda dá pra relevar, né mesmo? mas a coisa piora por que tem lá dentro da gente também, uma inquietação. uma curiosidade das coisas, um medo profundo de dormir. de repente um carro freia em cima de você na rua, passa tão perto e a ferida (talvez até mesmo a morte) ficaram tão próximas, a gente pensa... olha eu podia morrer né. e aí a gente fica meio morto ali mesmo. mais simples talvez: entre as luzes da cidade as estrelas nos chocam com seus mistérios racionais e sua vastidão. é impossível ser feliz assim diante dos absurdos do casual, do imprevisível, do vasto. a incompreensão come tudo. 
 mas nem todo mundo pensa nisso, é verdade. e, oras, ninguém realmente é obrigado a pensar rio, homem, estrela, morte e sinal. talvez se pensassem, a maioria dos homens ficariam paralisados demais, deprimidos demais. talvez mudassem o mundo. não sei. mas que a deusa me livre de gente assim. 
 entre a felicidade-shopping e a esfinge, me jogarei eternamente nos enigmas insensatos que em nada dão.

sábado, 4 de junho de 2016

Segredos III


cala imediatamente, na presença de chuvas chumbo
que noites transfigura. pesa a luz, que penetrando se atrapalha
no vidro espelhado da sacada,
no alumínio das janelas padrão.

noite, falta de luz, giro de terra

o mistério que os poetas cantam
estava nos poetas
não nela



Sétimo poema em falso


 outra vez nos deitamos
 porém sem que visse
 afastei os pelos do teu peito
 quando já era alta noite e corriam ambulâncias nas avenidas e eu não dormia
 assim rescindia vinho e pele do teu hálito
 da tua face mais escura; onde eu não via
 afastei os pelos do teu peito te descobrindo

 o espelho me olhou de volta
 você acordou de sobressalto
 um salto na bruma dum lago
 que a água nunca toca

 

Resumo da ópera II


 tropeço, fixo
 constante e torpe
 peça piso e porre
 daí diante

 estante mesa tesas
 bambolê antes
 assalto à mão armada
 sozinha madrugada

 excessos
 enquanto dali distante
 alguém sonhava veredas

 essa rocha rija
 vereda tua



domingo, 3 de abril de 2016

Mensagens


 sobretudo reluz, marca
 d'água, junto a parca
 voz que cala, fina e seca
 abreviando a intenção
 louca de pedir a ele que
 veja, e entre meios disfarces
 renuncie a razão torpe

 te enviei um email em código morse
 responda
 mas não visualize



Viagem


 zumbe murmurante e longe
 voo noturno

 sonho seu destino oculto;
 em riscos incandescentes ruas
 desenham sonos
 desfazendo muros

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Pra gostar de alguém VIII


 faz um varal
 de dentro
 onde instantâneos secam lentos
 cenas de noite, gozo ou memória

 olha o aceno que contêm
 e dum olho úmido para teu olho úmido
 respeita o cheiro que exala
 a memória de tocar
 o corpo que carrega.



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Pra gostar de alguém VII


 aquele silêncio que ficou depois
 que ninguém canta
 entre fronha estante e veste
 caída na entrada
 estrada de beira, onde o mar
 castiga a casa, passante e pássaro

 apreenda

 além da roupa, no chão,
 também deixou cair
 a nudez de dentro

 desaprenda
 pega essa nudez! veste
 fica em silêncio uma tarde
 silêncio entre fronha, estante e prece.

Pra gostar de alguém VI


 do abismo que separa tua mão
 da tua mente tua voz da tua palavra
 tua boca do pensar tua vida
 da tua morte

 sente o vento que sopra
 e sente, pelo olho, sobe
 súbita crescente, tua
 semente

 no ser de alguém.

Para ser de menos


 despejo um lamento
 uníssono e inequívoco

 mas torpe poema pesa
 pende ao lado e torna
 no chão, poças
 bolhas espessas de peso
 e pingam, pingam
 pingam

 de repente seco fica o canto
 voz quebrada em caco
 perplexo poeta paro
 e rio

 "o que houve?"

  "não foi nada
  só foi um copo
  que caiu".

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Poema bem bobo


 cego para a chuva que cai lá fora
 imagino
 os turbilhões vazando rios

 tinha até um mundo a dizer
 mas sumiu

 desfez-se na sinfonia torrente

 a gente vive tão pouco pra se anuviar. melhor
 chover lá fora
 que aqui dentro.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Acho que entendi


 'que horas você pode?' 'ainda não sei' (        ) 'é que eu precisava muito sabe' (...) 'precisava do que?' 'precisava dizer algumas coisas' 'não dá pra dizer agora?' 'é que ... é que ... olha não não dá é algo assim que eu não sei bem dizer então preciso dizer pessoalmente' 'tudo bem' 'sabe ontem eu vi ele' 'ele quem?' 'aquele do dia da chuva' 'não lembro' 'aquele das escadas' 'sim' 'eu vi ele e fiquei voltado no tempo' '...' 'fiquei pensando nessa época toda' 'o que você sentiu?' 'achei graça' 'de ver ele' 'nada' 'nada mesmo?' 'não' 'vocês transavam?' 'não' 'talvez por isso' 'eu tinha um pouco de pena sabe' '...' 'é que eu queria muito cuidar sabe' 'cuidar como?' 'não sei, um carinho qualquer coisa, ele não tava bem sabe' 'não entendo' 'eu também não muito' (         ) 'me fala de você' 'eu o quê?' 'o que tem aí dentro?' 'dentro de onde?' 'dentro de tanta pergunta' (          ) 'não entendi' 'você já se assustou olhando no espelho?' 'não' 'é assim: você olha no espelho e vê alguém, mas por um momento você separa sua imagem de você e quem vê não é quem é visto' 'talvez' 'eu não me vejo no espelho' (         ) 'talvez quem você veja não seja quem eu sou' '...' 'sabe?' 'acho que entendi' (          ) 'mas a gente gosta de quem a gente vê' 'então' 'então o quê?' 'era isso eu eu preciso dizer mas ainda não sei' (imagem se forma na mente. passa um ônibus.) 'eu vou embora viu? me manda mensagem' 'ok' 'não esquece' ok

Segredo IV


 velo a hora imprópria
 do medo - ronda
 estrondo violento
 na mata, e um silvo
 ardendo, queima

 em ensolarado dia, raio
 caio vibrante, diante
 do pensamento, tremo

 num instante, imaginei-te
 ausente
 dum pensamento, diante.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Catedrais, Turistas



 rajadas violetas, quebram-se, em vitrais. altas imagens, santos, altar central. a catedral de santiago do chile é um lugar muito triste, esgota a paciência. a catedral da sé por sua vez é triste mas é brasileira, e nisso feliz. entrar em catedrais, igrejas, um passatempo tão infeliz. a igreja anglicana de Valparaíso sem cruz sem adorno lembra uma beata seca, pura, austera. não há vitrais, a água-luz esparrama líquida, imagino - não entrei nela. imagino também o silêncio do edifício vazio, a saudade dos muros de ingleses chilenos que são pó na terra hoje, asco dos turistas todos. os turistas causam um certo nojo, mesmo aqui no Brasil onde o estrangeiro é tão venerado. há algo obsceno no turista, cria uma inveja estéril deixando a gente toda no vazio. essa pessoa sem casa, sem mundo, essa pessoa chegada de longe sem raiz, observando com olhos fluídos o que corre pelos olhos.
 essa pessoa sem casa que está pura diante do desconhecido. talvez não queria nem entender o que se apresenta, absorve vitrais águas-luz estilhaços multicor sem afinco, sem pressa. (há turistas e turistas, refiro-me aqui aos viajantes portanto, aqueles cujo entretenimento é tudo que se lhes alcança os olhos, toda realidade nova vibrante do exótico não pertencer). a catedral é pela primeira vez compreendida em sua simplicidade - prédio de culto religioso adornado - extraído de seu contexto talvez pronto para ser só edifício. imagina esse viajante alguém de outra cultura não-cristã, até mesmo: alguém que desconheça o significado de igreja. estar ali onde não se conhece é desconhecer significados prontos, estar mais próximo da coisa simples da coisa. 
 por não me ser familiar, amo aquilo que vi por completo, pois vi sem saber o que era antes e sem anteceder seu futuro. aceitei seu presente como dádiva e abracei na memória a passagem por tais vielas escadarias ruas. 
 seremos também templos? cheios de dogmas, eucaristias e sacramentos, mas vazios tão vazios durante as semanas, adornados, cercados por vitrais. a luz entra também na gente se estilhaça. me perdoe o que é familiar mas, tão cheios de passado, tão sedentos de futuro, se perdem no que sou e me desconhecem. de repente uma visita estrangeira me assusta me grita me exaspera - quem abre as portas assim, não reverencia os santos, muda flores de lugar? dessacralizado somos não templos, não edifícios, não gente não nada, oh entidades... somos aquela coisa prima, aquilo que vê o espelho e murmura um grito de prazer intenso: sou; portanto, vê-me e aceita, comunga comigo esse medo de saber.
 visita estrangeira, conta pra mim este mistério em que vivo!

Poema de metrô II


te pensei no decorrer-se
vagões, escadas
pernas soltas por lances
às largas

era um passo que irrompe
em estalo. febre.
te pensei como havia de ser um dia

uma bolha reluzente no segundo
dois homens que se encaram
três cílios sobrados na cara

toque no corpo que toca

e mais nada

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Segredo III


 onde lançam ouro à deriva
 sementes serão festejadas

 pois se laçadas no peito
 não enfeitam, mas brotam.

Arrependido


 preferia não ter brincado de nada
 ficado quieto
 na calada

 percorrido pela ânsia
 o elevado, a murada
 de lá caído, saltar ao contrário
 e voltar pra casa.



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Resumo da ópera


 etílico
 rolha vinho taça
 errático
 sala quarto escada
 histérico
 vaso parede caco
 apático

 mão vacila texto
 mente escreve cartas






quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Sinais III


se um corpo
no sono
queimar

se um verde
num vinco
se abrir

és meu, cavaleiro
desperto do encanto
brotar

sou teu, cavaleiro
uma rota de fuga
surgir

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Segredo (Prelúdio)


ficam cores gris
tons de partida, medram
pedras ruínas de outras vidas
que vivemos nessa

serão dos muros vindouros
desta história latente
ponto de partida

calados diremos, arrimo
vigas sólidas em ferro


Segredo II


 permita-me estar aceso
 na rua mais calma

 caso o barco lançado não chegue
 nas tuas costas

 permita-me jogar na areia caco
 pedra peito e rosa

 esperar o pé, sangrando
 voltar manco à casa

 chorar uma noite, lavar-se todo de azul
 cobertas de estrelas

 permita-me estar em chama
 fina geada ou sombra

 velar-te vivo. festejar o sopro

 descender em espirais que inspiras

 descobrir este segredo que a noite encerra




Segredos I


 cavocas minha pele
 me adentras
 lá encontra pedras, fendas, cristais
 coisas que eu não sabia

 o raro em mim me fascina
 eu pego na mão seixos luminosos

 o seio da terra era eu
 eu não sabia


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Memória / Loucura


 o verão apaga o inverno, mas fazia frio, e a tarde deixava cinza a cidade cinza, e os carros zuniam abaixo dos pés, na histeria louca de buscar no fim das coisas o que se encontra no meio delas - o trajeto é o objetivo, necessário andar em tempos sedentos, urgentes. e são tempos em que tudo se acompanha de trilha sonora, mesmo experimentar o vazio. não só o vazio da caminhada solitária pelo viaduto mas pelo vazio da primeira descoberta: a vida é o trajeto, não os fins que ela encerra. e que amar era essa ponte pro outro e esse assombro de reconhecer nele o mesmo abismo de morrer. todo o romantismo surge duma farsa, o amor pedia a reinvenção de tudo. do outro lado do ringue materialista era aquela saudade absurda ... 
 e toda a realidade em pontas afiadas, e o ser fina membrana, célula solta no espaço. a gente finge não ver a pessoa na janela e ela finge ignorar o caminhante solitário mas eis ambos na realização de existir - o outro em seu desconhecido te vê e te sabe. as formas tênues das coisas se revelam, se despem, a razão dos prédios, a razão das plantas, o medo do assalto e onde se pode comer num domingo já ao anoitecer, quando as coisas estão tão quietas e tão amedrontadas por poderem voltar a representar a segunda, enésimo ato da peça que criamos mas botamos a culpa em deus, na moral, na sociedade, no direito na lei na propriedade privada etc. uma mulher cansada sai do seu trabalho e pega um ônibus meio vazio em direção ao jardim ( ) e comemora a folga quando todos trabalham. alguns não querem representar e se matam.

 ***

 insisto em encontrar no amor romântico, nessa vontade adolescente louca copiosa kitsch clichê ai que delícia! a causa dum mal terrível, o fim da razão, uma farsa. porém: como aprenderemos? e se a loucura aparente for a prevenção contra a loucura real? o impulso de se envolver com essa incógnita que é o outro, e querer se doar assim nos prevenindo da solidão iminente... qual o limite entre farsa e criação? quando criamos aquilo que nos encanta, nos ensina, nos nutre, e vivemos de forma real o inventado, onde termina o limite do real é... ah, eu andei muitas ruas com o coração na mãos, vivendo aquilo que criei mas também o outro proporcionou. vejo aos poucos que o amor se pode criar, e moldar, e nutrir. e inventando o amor assim escapo de inventá-lo acreditando na sua existência magna, como se fosse um raio que caindo na minha cabeça, me derruba. separado de mim.
 para a seca, que a resposta sejam as torrentes. 

Tarefa


 as unhas roem o corpo

 o futuro presente chegou
 em torrente, apaga
 as direções nos mapas

 os retratos estáticos
 não nos contam nada...
 demasiados onipresentes, ser deus nos cansa

 as unhas roem o corpo
 e as escamas, pétalas sujas, deixam rastros humanos
 na terra rasgada.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Poemas Latinos


 oí la tierra temblar
 era medianoche - me tomaban por la mano
 unas ganas - e tirarme al mar

 ***

 despertando seco
 sonho um peixe
 da ilha de chiloé

***

no estaba allá la virtud
y la tomó el hombre;
ni tampoco la tierra es de la justicia madre, origen

construyamos todo
seamos piedra y albañil

caerán los castillos donde viven sueños de plata
y las bolsas de valores serán fantasias
cubiertas de muzgo y flor

***

bastardos de bandeiras
paulistas, armada espanhola

sentimos dor pela manhã. um grito fantasmático
tosse.

ainda é vermelha a costa
onde coroas disfarçadas
impõe tratados
aos neocolonizados.