domingo, 28 de abril de 2013

Segundo poema em falso


 sei que o dia
 é uma longa, longa fita

 uma foto embaçada

 que esse sol tão tímido
 é em parte meu, medo e sombra

 manto de nuvens

 o dia sincero
 descortina a peça

 meus olhos abertos

 traços de alguém
 secados em mim

 pintado em cores
 que foram embora ...

Sexto poema em falso


 a rua arma uma neblina
 no liso dos velhos
 paralelepípedos.

 já não é mais verão faz tempo

 hoje cheguei cedo e acompanhei a manhã gelada
 a mata coberta de branco orvalho
 e olha, até achei que fosse geada.

 nada é em presença de ninguém.
 tudo está tão só
 um pássaro canta outono e eu só ouço
 invernar ...

Quinto poema em falso


 abrindo as cortinas, despertei

 pela janela aberta entram perguntas
 pássaros barulhentos

 que ao correr de dias, respondi

 então partiram
 em migração

 para outras rotas
 num outro coração


Quarto poema em falso


 se o dia lá fora morreu
 a culpa é minha

 o buraco de bala varreu o céu

 eu apertei o gatilho

 horizonte é onde vemos. não há horizonte
 quando os olhos veem além.

Primeiro poema em falso


 a manhã bem cedo
 se olha no espelho!

 roxas manchas
 graves, espalham-se

 passa sombra azul
 pra esconde-las

 a manhã bem cedo
 pega o ônibus comigo. tão bonita manhã

 dela ninguém lembra, sem recados
 sem mensagens. só

 ela queria ser de alguém
 a minha manhã. bem cedo.

 mal se olha no espelho!

Terceiro poema em falso


            sinto um cheiro no cômodo.
        enquanto desperto

            um cheiro que permeia a manhã e sonora.

 num abraço vago passado,
            como uma corrente
           (as sobras do sonho) de ar.

            sei sua razão.
 e ela está em silêncio
                      morta

 mas não quero dizê-la!
           dizer é despertar
           dessa morte isenta ...

 a mente repleta. soa. sonora.
  desisto de sonhos e quimeras

           (entretanto
            ninguém verá o que aconteceu).



Pra Você me Entender II


 ... mas e eu querendo me explicar; seria tão mais simples dizer que tenho uma alma de cachorro (se é que você entenderia) ... é uma confiança de tudo, apesar da falta de graça constante; uma vontade de viver pelos vazios; desfrutar de silêncios; e deitar ao sol todas as manhãs ...

Pra Você me Entender I


 esse meu não-querer, esse extraviar de olhares é como o pudor infantil de recusar o que te oferecem numa visita e se deixar conduzir, e se deixar satisfazer - o medo sincero de esquecer o caminho de casa por não valer mais a pena voltar - o rubro do rosto ao encontro do outro - a terrível lucidez de pensar que o morto no caixão poderia abrir os olhos e perguntar: afinal rapaz, já não são horas de despertar?


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Uma carta (outra)


 _ o espelho não me vê mais. quando passou um pássaro pra consolidar a perdição me dei conta de crescer a casca, belo invólucro de homem adormecido mas ah, se você me procurar estou olhando da janela do trem os prédios velhos, tão maiores que eu, em busca de amores fáceis, facas e punhais, dilacerações entre casos de polícia. eu pequeno entre altos prédios marrons de mãos dadas com minha mãe. entre as ruas do susto e do deslumbre, me perdi, olho para o alto vendo passar cicatrizes e sombras, coisas assim menos efêmeras (as sombras dos homens são a mesma sombra) - não posso olhar pra trás nem pra frente - apenas para onde meu infinito começa - acima.

cof cof 

   sem me esquecer de que isso é uma carta sem lição alguma prum destinatário ignorado/ante, mande beijos pra mamãe e diga às mães do brasil todas - um beijo. mando na carta também as cinzas de outra carta que contém um poema de amor sobre cinzas ... de nada vale o amor senão para queimá-lo em cartas (dizem os mestres na arte).

ps.: na segunda estrofe, substitua a palavra constância por um pedaço de carvão.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Um outro conto (V)



de uma "carta de ensinamentos e percepções para um pássaro"

 "

 aprendi uma coisa ontem, é um pouco assustadora ... o que é estar só e ser só? nasceu uma rosa ao pé da jardineira do quarto, e ela é só, não há outra sequer no quintal. eu, entretanto, estou só. não sei explicar bem, mas não é algo como uma condição, é algo como uma passagem por mim, uma conversa muito íntima. todas as emoções devem existir plenas e sinceras. muito mais que querer ser feliz com alguém é preciso querer ser triste e preguiçoso e pleno com alguém também. você precisa aprender a dividir seus voos mais baixos com a relva, passarinho ...

"

Um outro conto (IV)


 "

 estou num lugar anônimo onde a vida real se descortina, nada é impressão ou fugacidade, tudo é amplo e vivo e cada gesto se desenrola em outros gestos infinitos. estou aqui onde invento e queimo a palavra amor.
 é aqui também onde me engano. paredes espelhadas mostram a saída infinita que nunca se completa.
 um dia portanto foi com muito susto que constatei, enquanto dormia, que uma sombra me encarava fixa   ... dum corpo estendido no chão.

 "

Um outro conto (III)

"

 vende-se a história de um garoto que, aos quinze anos, se apaixonou por um balão.

"

Um outro conto (II)


 "

  às vezes na bagunça das estantes, acordando cedo tomando o café com a samambaia me olhando frívola - só pra constar o amanhecer do Sol - penso se ele imagina de leve que eu tomo meu café diluindo minhas lembranças pois detesto café solúvel, destatuando das minhas pernas o cansaço das saídas e desalmando o mundo, roubando qualquer fleuma dos sorrisos espontâneos e discutindo amor como discutimos as coreias aos meio termos ... até acho graça. depois acho mais graça pois já troquei de pensamento ao flutuar sobre o que farei com um novo dia, estou achando o mundo tão frívolo ... se fosse escrever um livro, me inspiraria num pequeno príncipe travesso, matando a rosa de indiferença e a raposa de desgosto ... ninguém define o que é amar hoje em dia. é preciso ser gauche, diria o anjo. procurar uma boa cova pra tudo que morre dentro da gente e, depois, lamber a margarina dos dedos que escorre do pão.
 depois penso em nomeá-lo e, tendo minha bacia batizado-o ao revés levando embora a palavra destino, fico só com essa corrente de tempo sem nome, acasos ordenados. será que o acaso me imagina ou prefere me evitar? me eleve ...

"

Um outro conto


 "
   não escreva poesias nas tuas cartas (milena). me aborrecem os versos.

   crie borboletas, seque suas asas, mande-me-as impressas

   depois, morra.

"

terça-feira, 23 de abril de 2013

Uma carta


_ tudo bem com você? espero que sim. estou sobrevoando um rio e ao meu lado, uma nesga de nuvem cobre um rosto, estou cansando dessa vida tão excitante! meus porta retratos estão tão vazios e isso me torna tão feliz ...

 (não ... tudo está tão vago - venho soletrando palavras desconhecidas - tomei solidão no café da manhã entende? mas era hora de sair também, e ser homem, e ser mais, e escrever outra história comum entre histórias comuns na história comum. amanhã eu sou outro e você, estranho no espelho, a onda que vaga e bate na proa, lembrança cor melancolia)

 _ ... parabéns por apagar odes e odes e ódios. são coisas que passam batidas. eu mantenho meus porta retratos vazios, mantenha os seus, a morfina da ilusão corre veias e vias de regras. mas sem pensamento demais, sem filosofia, deixe isso pros teóricos ...

  (como ... se todas as caminhadas me levam a mim ... não me elevam a nada ... e a leveza me foge como um pena que dança quadrilha no céu. e se o motor da vida não fossem os porta retratos que precisam de rostos que encaram e movem, encaram e movem ... e se não há fotografia que nos prove nem em memória)

_ ... você será tão feliz assim, como eu também persisto, Deus luta fé destino objetivos caminho. ninguém precisa de poemas. só é preciso Deus luta fé destino caminho e nunca pensar, jamais pensar, em hipótese alguma. beijos, pasárgada. a ursa maior mandou lembranças, risos!

 (queimo outra resposta mas espero que cheguem em segurança as cinzas ... e que elas respondam o que as palavras não contêm - ps.: estou bem)

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Conto / Paralelo ao Conto






um dia ele sai de casa - vai à pé, desistiu do ônibus, pensou nas pernas que preguiçam, as pernas que precisam de tônus. chega suado no barzinho (ou lanchonete) e senta calmo como se não fosse um sonho, poupou muitos sorrisos no caminho pensa muito no que vai pedir - por motivos estranhos, tem sede. costuma pedir coisas doces, destilado ou alguma bebida de viado, mas se a paixão pede caipiroska o amor pede cerveja que é amarga. sem muitos porquês - já está tarde - vai ignorar todas as ligações as mensagens, e vai sobrar do mundo. sobrar como nunca antes. uma estrela vai piscar pra ele o tempo todo. ela virou a casaca - agora conta o segredo pra ele. num sussurro esboçou uma frase _ eu gosto de estrelas ... sussurra um segredo escondido nas pálpebras que ele guardou de tantos. ela ri, manhosa. agora é sua vez. depois de tantos corações na mão aí está feito um beijo. 
e senão todos, quem vai pegar pela mão um menino descuidado que dorme no chão? seria demais permitir que apenas dois braços formassem o arco que o carregasse _ é preciso mais, são preciso muitos ... porém dessa vez está aí, falou de estrela e danou-se, o amor que, finalmente, se repete, e agora é preciso de um somente tão somente. ele termina qualquer porção de coisa que lhe veio à mesa. no balcão, um homem atende. ele olha o homem. muito de repente se lembrou de alguém com quem dormiu e ficou mastigando o vazio duma memória branca, vacilos vacilos ... nada era potente diante de amar com uma cerveja no copo e um rosto novo. nunca havia amado assim, homem, e foi se tornando turvo. 
pagou a conta. foi se misturar ao vento noturno sem muita opção, e se lembrou duma poesia cansada que alguém escreveu, recitou pro menino dormir e entender dormir e entender, o dia passa calmo. estou certo de amar. mas e do mar? mas se já era noite então e tão longe do mar ... se tudo isso não fosse um sonho apenas e estivesse perto do mar ... quem derramou uma poesia no meu coração?
depois ele parte e o perderemos de vista - como um barco que se entrega  ... ao horizonte

***

nos mesmos instantes, num outro porto

um dia ele abre os olhos e se vê imerso no espelho, toca a própria imagem e com surpresa, se toca. um dia ele levanta com olhos aguados de vida e apenas segue. caminhará seguindo uma febre que nunca cessa, uma inocência violenta, um medo tácito. e como nunca e como no passado o sorriso brota dos canteiros e pousa no seu rosto, o que lhe move é o dia tão somente, a graça de viver. vai escrever prosa à mão. e poesia nas vidraças da janela. um dia ele abre os olhos e passa a ser o que é. e o amor não precisará de respostas, um gato dorme no parapeito das sacadas que repousam sobre esquinas e um balão dominical solta rojões, todos os crimes serão permitidos, o que lhe move é o dia tão somente. gestos nunca em falso. podemos dizer que então haverá alguém que, com uma estrela astuta na mão, vai arrombar portas incrédulas, laranjas caseiras na mesa, pratos postos, um almoço ... nas paredes - crônicas;. no chão - contos.