terça-feira, 21 de junho de 2016

Lamento


 oro em prata
 choro em ouro


 terno soco      
 ou fissura
 no fígado
 súbita ternura

 clamor duma ausência
 bandeira branca, nunca

 punch veludo
 choro rouco
 luta, luta... 
 
 clamor duma ausência
 bandeira branca, nunca




sexta-feira, 10 de junho de 2016

Felicidade-Shopping


 que coisa engraçada a gente é quando se descreve. principalmente na internet, nos aplicativos, currículos íntimos... há sempre algo sobre felicidade, paz, boas energias e umas calhordices assim.
 fiquei cansadinho de tanto vocabulário positivo, alegre. me veio uma frase: eu não confio em gente feliz, mas não sei quem disse. ou o ser é cego ou é canalha mesmo - olha esse mundo aí - ser tranquilo e feliz num carro indo prum shopping, por exemplo. do lado de uma favela perto dum córrego poluído no ar poluído. aí um menino pede no sinal. o sinal abre. e aí várias filas, do estacionamento à loja de porcarias, passando pelo restaurante de porcarias.
 você sai, um homem dorme na grama em frente ao shopping.
 bom, isso tudo ainda dá pra relevar, né mesmo? mas a coisa piora por que tem lá dentro da gente também, uma inquietação. uma curiosidade das coisas, um medo profundo de dormir. de repente um carro freia em cima de você na rua, passa tão perto e a ferida (talvez até mesmo a morte) ficaram tão próximas, a gente pensa... olha eu podia morrer né. e aí a gente fica meio morto ali mesmo. mais simples talvez: entre as luzes da cidade as estrelas nos chocam com seus mistérios racionais e sua vastidão. é impossível ser feliz assim diante dos absurdos do casual, do imprevisível, do vasto. a incompreensão come tudo. 
 mas nem todo mundo pensa nisso, é verdade. e, oras, ninguém realmente é obrigado a pensar rio, homem, estrela, morte e sinal. talvez se pensassem, a maioria dos homens ficariam paralisados demais, deprimidos demais. talvez mudassem o mundo. não sei. mas que a deusa me livre de gente assim. 
 entre a felicidade-shopping e a esfinge, me jogarei eternamente nos enigmas insensatos que em nada dão.

sábado, 4 de junho de 2016

Segredos III


cala imediatamente, na presença de chuvas chumbo
que noites transfigura. pesa a luz, que penetrando se atrapalha
no vidro espelhado da sacada,
no alumínio das janelas padrão.

noite, falta de luz, giro de terra

o mistério que os poetas cantam
estava nos poetas
não nela



Sétimo poema em falso


 outra vez nos deitamos
 porém sem que visse
 afastei os pelos do teu peito
 quando já era alta noite e corriam ambulâncias nas avenidas e eu não dormia
 assim rescindia vinho e pele do teu hálito
 da tua face mais escura; onde eu não via
 afastei os pelos do teu peito te descobrindo

 o espelho me olhou de volta
 você acordou de sobressalto
 um salto na bruma dum lago
 que a água nunca toca

 

Resumo da ópera II


 tropeço, fixo
 constante e torpe
 peça piso e porre
 daí diante

 estante mesa tesas
 bambolê antes
 assalto à mão armada
 sozinha madrugada

 excessos
 enquanto dali distante
 alguém sonhava veredas

 essa rocha rija
 vereda tua