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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Memória / Loucura


 o verão apaga o inverno, mas fazia frio, e a tarde deixava cinza a cidade cinza, e os carros zuniam abaixo dos pés, na histeria louca de buscar no fim das coisas o que se encontra no meio delas - o trajeto é o objetivo, necessário andar em tempos sedentos, urgentes. e são tempos em que tudo se acompanha de trilha sonora, mesmo experimentar o vazio. não só o vazio da caminhada solitária pelo viaduto mas pelo vazio da primeira descoberta: a vida é o trajeto, não os fins que ela encerra. e que amar era essa ponte pro outro e esse assombro de reconhecer nele o mesmo abismo de morrer. todo o romantismo surge duma farsa, o amor pedia a reinvenção de tudo. do outro lado do ringue materialista era aquela saudade absurda ... 
 e toda a realidade em pontas afiadas, e o ser fina membrana, célula solta no espaço. a gente finge não ver a pessoa na janela e ela finge ignorar o caminhante solitário mas eis ambos na realização de existir - o outro em seu desconhecido te vê e te sabe. as formas tênues das coisas se revelam, se despem, a razão dos prédios, a razão das plantas, o medo do assalto e onde se pode comer num domingo já ao anoitecer, quando as coisas estão tão quietas e tão amedrontadas por poderem voltar a representar a segunda, enésimo ato da peça que criamos mas botamos a culpa em deus, na moral, na sociedade, no direito na lei na propriedade privada etc. uma mulher cansada sai do seu trabalho e pega um ônibus meio vazio em direção ao jardim ( ) e comemora a folga quando todos trabalham. alguns não querem representar e se matam.

 ***

 insisto em encontrar no amor romântico, nessa vontade adolescente louca copiosa kitsch clichê ai que delícia! a causa dum mal terrível, o fim da razão, uma farsa. porém: como aprenderemos? e se a loucura aparente for a prevenção contra a loucura real? o impulso de se envolver com essa incógnita que é o outro, e querer se doar assim nos prevenindo da solidão iminente... qual o limite entre farsa e criação? quando criamos aquilo que nos encanta, nos ensina, nos nutre, e vivemos de forma real o inventado, onde termina o limite do real é... ah, eu andei muitas ruas com o coração na mãos, vivendo aquilo que criei mas também o outro proporcionou. vejo aos poucos que o amor se pode criar, e moldar, e nutrir. e inventando o amor assim escapo de inventá-lo acreditando na sua existência magna, como se fosse um raio que caindo na minha cabeça, me derruba. separado de mim.
 para a seca, que a resposta sejam as torrentes. 

quarta-feira, 18 de março de 2015

Penso, logo escrevo


 penso, logo não escrevo - pensamento, machadinha do escrever (do meu, dos outros não digo pois não sei). oras, se faço uma pausa, é por quê penso se escrevo bem ou mal, se alguém lê e chora ou ri ou nada: mas isso lá não é comigo, escreve que é tua sina escritor!
 e é tanto pra escrever: eu abro as notícias (feed de, que jornal não leio), a tela pisca em desespero e só de bravura desço mais, desço até os infernos de três horas atrás. AINDA MORRO DE CONGRESSO penso eu, e se tem coisa que me cai mal hoje em dia é, sem dúvida, coxinha: dessas banhadas em óleo. dá até pra ensaiar o pensamento - "ô época difícil pra ser brasileiro" - mas aí cê pensa, "e lá teve época fácil pra brasileiro?" sei lá, sei lá. 
 não bastasse a bateção de panela no duplex - e a faculdade? que faculdade o que ô! tô vendo ainda, resolvi viver, meu gap year, a vida é curta, tô trabalhando, vou viajar... esperar até os 50, quem sabe lá eu descubro que rumo tomar. AH! quem dera eu fosse um Magalhães descobridor de mares - estou mais para aspirante a turista em Orlando. não há mais mares a desbravar. não há ilhas a descobrir. toma teu chapéu de mickey filho, segue na fila.
 e aqueles planos de se mudar pro japão hein? precisava de matemática. tocar piano? muito dedo. fiquei de escrever mesmo. quem foi que disse que bom escritor não vive grandes aventuras? avisem-me, procurarei matá-lx. verdade verdadeira, até pro amor a coisa anda na base do impeachment. quem destituiu aquele romântico inveterado e botou este ditador sonolento no poder? baixou o decreto da solidão compulsória. no fundo quer legalizar aquelas mensagens fofas, mas até agora de abertura democrática só anistiar aquelas músicas que deixam borocoxô.
 serão tudo trevas? sei lá, sei lá. escrevo por que preciso. se penso, não escrevo. escrever é minha arma - e há muito o que escrever.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

- (2)


 talvez por tanto escavar o que é o "o quê" do "quem", os sentimentos ficam assustados e saem correndo. hoje, eu, sem nome nem nada, não sei sentir coisa alguma. ou é o abismo, ou é nada (na-di-ca). claro que é preciso manter a pose, um pouco de sorriso e afetação são saudáveis e bem quistos (ui), mas atrás do palco estamos todos fumando e esperando... o sinal... o terceiro ato... ponteando a espera com alguma loucura, uma noite perdida, o sono em excesso, distrações visuais, uma vela no templo do corpo. há que se crer muito no próprio nome para sentir qualquer coisa. em cima desse sólido chão do quem se é construir uma torre, um castelo ou uma fábula. no entanto eu ficaria em silêncio por milênios por não ter nada a dizer senão contar o que vejo.
pode-se sentir abaixo da superfície? sim. coisas demasiado humanas, como a incompreensão. e um tédio enorme, uma calma nervosa. chegam até o fundo as barbáries humanas, e o que liga a superfície ao fundo é uma pontada triste. talvez os homens acreditem demais no que são, acumulando riqueza, fama e poder. eu prefiro ficar um milênio em silêncio. não posso fazer muito então escrevo o que vejo e finjo esquecer.

-


já não é preciso falar de lamentos inventados. o amor é isso: cresce, frutifica, morre - e esperaremos morte e ressurreição como qualquer sábado de missa, até nascer outro amor. por isso pouco importa, ao mundo e aos que tem dúvida, ouvir falar de amor. há outras perguntas esquecidas, deixadas para trás no turbilhão do fascínio romântico que nos leva cada vez mais para baixo: o que é ter um nome, se eu não sou um nome? 
meu nome é uma cortina para o que sou. atrás, o espetáculo corre solto, manso ou frio. mais uma vez, eis o fio fino da lâmina do romântico: o que se ama, o nome ou o estar? quem é aquele que por trás do nome sente-se amado? o outro é sempre um mistério crescente - quanto mais próximo, maior e mais profundo. quando se fala ao outro, fala-se ao outro ou a si próprio refletido no outro? será o outro o interlocutor impossível, sempre distante demais daquilo que eu quero dizer, sempre incapaz da compreensão plena? o interlocutor pleno vive dentro de nós (?), e o chamamos deus pois ele nos ouve e dá a resposta plena e completa do tempo: o silêncio. 
vive aí o espetáculo atrás do nome, o monólogo (?) ininterrupto de nós (eu) para o lago profundo dentro daquilo que somos (o não-eu, o reflexo do que dizemos que nos volta alterado e imperfeito). até onde somos alguém, muitos, dois, outros, o outro?
ao redor flutuam as perguntas esquecidas. no fluxo dos lamentos inventados de amor, é preciso não chegar onde ele deságua (da boca pra fora), mas voltar à nascente e descobrir onde ele se origina. nada disso é sobre o amar. estamos falando, detrás das cortinas, de solidão.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Insistência


 eu estava naquelas ruas pequenas que acabam no vale, que dão na República, que nunca acabam; do céu pintado caia aquela chuva insistente mas trapaceira - não molho nem paro. andei até a Santa Ifigênia com aquela insistência: tentar esquecer é insistir em lembrar. 

 ainda na Sé, eu pensava - o que serei se esquecer? sem a tragédia, sobra a dissonância soando errada numa peça sem harmonia. eu fico só e meu nome. 

 lembro constantemente da memória que preciso apagar. não como efeito colateral, ou impossibilidade, ou paradoxo; é o objetivo escondido nas frestas. fingimos querer esquecer a modo de nos lembrarmos constantemente - eu piso no vazio com a surpresa da obviedade.

 viro a Nothmann. almoço. sem onde, volto.
  
 tentar esquecer é insistir em lembrar.

 

domingo, 20 de julho de 2014

Se meu corpo


 se meu corpo não me pertence, como posso com as mãos tentar tomar um outro - intransigente, raivoso? egoísta - como os homens em princípio e eternidade. antes de levantar a voz já me perdoe: faremos com as memórias o que faríamos da argila - moldar, transformar, suprimir o sólido e criar o oco.
 então guardaremos nelas aquilo que nos parecer melhor.
 preciso aprender com o que toquei. aos amantes as alegorias são fantasias práticas, não pedras de erguer casas. dada a hora, fez-se o tempo de aprender a regra e abandonar a sede das mãos. diante dos grandes prédios ser brutalista e concreto, direto ao coração como a ponta da bala. pois nada é meu. tudo que é possível é a ponte direta, a palavra nua. o resto é máscara para a solidão. 

 mas não é a solidão completa também nua e próxima? há tanto é buraco negro. escrita crassa. comer da solidão é mais humano. mata a sede, afoita. não nega a falta de posse, mas imerge no desdobramento de ser, em ondas pequenas quebradas, múltiplas. então jamais tentarei tomar de assalto qualquer outro universo - lançarei a solidão ao ar e, onda de rádio, ecoará no espaço infinito.

 ***

 eis que, entre solidão e posse, existem as coisas do ar e dos olhos. o dia que nasceu virgem e prossegue dourado - meu? posso chamar de meu o que me contêm? casas, cidade, rua, bar - meu? aniversário, quarto, pensamento - meus? não seria eu das coisas, tão oposto? 
 pertence à mim o corpo ou ao corpo pertenço eu? 
 na dúvida eu abri as portas e fugi pelo dia, tão de ninguém.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Utopia


 em suas mãos era como se carregasse um pássaro;
 qualquer pressão seria mortal.

 seu chão era como feito de nuvens;
 pesar significava cair.

 dentro de si era como carregar o amanhecer;
 nenhum amanhecer é igual a outro.

 amanhecer jamais repete.

 em sua mente, era como se trouxesse o mais belo e fugidio pensamento;
 qualquer movimento faria esquecê-lo.

 de tudo talvez o amor residia era no olhar
 seu olhar cantava antiga
 uma cantiga de rodar ...

terça-feira, 25 de junho de 2013

Flor-do-brejo


é não saber onde piso e de separar cada palavra e saber que elas são especiais assim, cada qual em seu lugar. eu lembro de saber que ainda não era tarde - quando é cedo ou a gente faz ou a gente não se dá conta (pra se arrepender depois).

sabe, não ligo muito ou não ligo toda a hora, nem atendo sempre. não ouço o chamado e o barulho: tanto faz, vou me perdendo de pouco em pouco. perco o fio da meada e perco o pano: no fim não é nada demais; só uma luzinha dum vaga-lume que alumiou aquele instante - capas velhas revistas e encaras, diferentes ... os sorrisos amarelam estáticos, as formas permanecem idênticas - what will you look like when you're old? what will I do if I don't know you? - não guardo retratos, rasgo bilhetes, queimo ingressos e amparo no meio de frases, consolos.

outro dia, na esquina suja de mato lá perto de casa; o cheiro da flor-do-brejo antimatéria se conteve - é tão enjoativo que me cristalizou por completo. nas outras formas de viver, amar nunca se acaba; silencia.

sábado, 1 de junho de 2013

bolha nº 2 (opaca)


 ... eu queria contar essa história pra alguém. essa história que nunca começa, pois precisa ser contada. como um bordado não existe sem que o tecido seja, primeiro, violado, e a linha o trespasse. não quero divagar. a história nunca começa, sopro as bolhas pra que sejam eternas - mas tornam-se eternos os sopros, morrem as bolhas. as bolhas são mais bonitas, porém. também são as crias que não vingam. e os sonhos que morrem, as falas interrompidas.
 a certeza de que você vai morrer é uma lança que, me cortando, não dói. talvez porque você não signifique nada ainda, talvez amanhã. você é uma bolha que eu soprei - preciso encontrar o sopro. que permanece.