segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Perguntar


 "no sonho, era assim: você estava entre nós. você tinha 14 anos. você era amável e doce teimoso, me gelando a espinha. insuportável leveza, e a culpa - o juri te condenará pela eternidade pela leveza pintada a mão."

 ser é leve ou pesado? eu estava prester a dizer que dói viver, mas então me dou conta que não sei. para se afirmar algo é preciso a confirmação, a nota de rodapé necessária, o asterisco. é necessário abrir o sapo das coisas e ver um coraçãozinho batendo frágil, caberia num relógio de pulso e afirmaria que sim: dói a vida. eu não abri o sapo então não sei, não direi que dói, pergunto to whom it may concern: dói viver? é leve viver? é pesado viver no fundo? no fundo dói? e na superfície? e na pele? e viver na pele? e viver fora dela? 

 você ora antes de dormir? como você pensa deus? ao redor da sua boca vivem criaturas fantásticas que não pensam em nada, elas nadam, nadam, nadam... no café pela manhã. e então nos apoios do metrô, e nos corrimões, então na sua mesa, nas mãos dos colegas, e as criaturas rapidamente se trocam e se conhecem e partem. elas liquidamente trocam amor e ódio e nada, enquanto você dá o gole no copo de outra pessoa. pensou nisso? o que é conhecer o obscuro de nossos pensamentos? quando que eu fecho os olhos e sonho: você estava entre nós, 14 anos, amável e teimoso (eu não te conheci com 14 anos, o que torna o sonho mais obscuro). olhando de cima veja, tal como as criaturas ao redor dos nossos lábios nós somos, logo mortos e portanto infinitos no nosso existir. tudo nos ignora, e ignoramos quase todo o resto, mesmo assim... a persistência do pequeno mistério das coisas: ser é leve ou pesado? é propósito, despropósito, ou propósito em não ser absolutamente nada, desprovido de causa e destino? rapidamente trocamos impressões superficiais de existir e logo nos partimos em vários - melhor buscar alívio ao lado - queremos nos deletar, nos suprimir, nos resetar, porém impossível é pois aí estamos no pequeno pulsar, mistério de ser, pergunta: leve ou pesado? incrível essa leveza, não acredito e nego, eu sei cada peso que me puxa para baixo, baixo onde não sei, mas insisto.

 todos puxados para baixo, mas você flutua, e seus pares, e suas danças, e seus pares, tantos outros... por quê alguns afundam tanto? alguns não suportam e perdem todo o ar, a consciência, tomam pílulas e perecem, acordarão na praia do alvorecer, num outro tempo se é que existe. você não tomará pílulas, tomando drinks de normatidão e leveza. dói ser leve também? e pela noite, como fica? contarei: pela noite é mais difícil. meu sono é profundo, antes eu tinha medo de dormir até. podia até ter a pachorra de pensar em cada uma das criaturas vivendo no meu corpo, e no que viviam e por quê viviam elas, e vinha o medo - pensei já também em você. você nada ao redor dos meus sonhos, nada nada, pensando no infinito vazio e rapidamente se desfazendo. mas a noite como será teu sono? pesado ou leve? como se pesa o sono, e o sonho? é por kilo? 

 no final do corredor, a morte vara e ronda. eis-te. é leve ou pesa? ou ignora? eu queria, acima de tudo, te contar como eu não ignoro a morte, ela vem e conversa comigo. talvez, assim, eu fosse a ti objeto de amor - uma fantasia rara, beirando a seriedade mas ainda sim apenas pobre. pois, de fato, assim como as criaturinhas nas nossas unhas e mucosas não queremos amor, queremos permanecer, queremos perpetuar, queremos nos reproduzir em ideias e lembranças e estigmas. ninguém há de querer amor de ninguém, pois amor é a mão lançada - 

 espera. para afirmar preciso do asterisco, do cientista. não sei mais portanto e pergunto: amar é a mão lançado ao outro? queremos amor? queremos furor e suor e cansarmos? dói querer? 

 dói perguntar

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Para quebrar o silêncio


 me dói ver a tristeza
 te tocar nos ossos
 quando do ressoar
  dos sinos da igreja

 marés do acaso que tangem e partem essas.

 de toda forma: para quebrar o silêncio
 nada importa! toma
 meu ávido desejo de alegria e
 toma!

 saboreia a maré do acaso
 vai ser gauche - leia poesia
 coma do medo teu e conversa
 com teus mortos. sente-os a mesa.

 para quebrar o silência
 para eles leia
 um poema.


domingo, 21 de setembro de 2014

prólogo


 cheia de intenção a mão toca o vazio - graciosa. uma bailarina sem plateia, diriam os poetas, sem propósito porém ansiosa; e cega. não mantém a forma fixa de estar segurando algo? um papel, um lápis, uma mão qualquer... no repouso retraída de lembrança, trocada em átomos com tudo que há  - o teclado do computador, a maçã, o dinheiro. biblioteca do corpo, conhecedora da forma. e essa forma fixa persistente, esse átomo que ficou ali sobrando, tanta sujeira, lama, restos, corrimão; conhecedora do impuro.
 a direita segura a faca, a esquerda a gaze - justiceira e amparo.

 mas no momento ela estava parada no seu seio esquerdo, rígida e lúcida, mas não era ela, era o medo, era eu. medo e lúcida, rígida e esquerda, você pode me descrever para seus amigos no meio tempo em que eu fui ao banheiro e voltei, nos sussurros, nos risos - eu preferia levar um tapa. talvez você o fez e eu não me atentei, o que importa era a mão parada de musa, mármore, minha no teu logo após enquanto ninguém olhava. duas musas, mudas, se tocando pela primeira vez na imobilidade do mármore.

 quem viu esta cena impressionista fui eu apenas, frequentadora de artes plásticas diversas e sonhadora infinita. no seu romance secreto, meu quadro fugaz é uma nota de rodapé - eu, lamento. aí a dor maior de existir: ser pequeno ao outro, ser desconhecido do outro ou não ser nada - eternamente - nada além de uma sombra. eu estava triste e nem estava ali. minha morte está cravada nesse eterno/nada/alheio - aí eu mergulho nesse lamento de existir e viver e chorar e etc etc etc. move-me no vazio o ambíguo, o incerto, o vacilo, e sem isso (ou sem você.s) não haveria o combustível primórdio de movimento. pois, desde o início, eu era reticência e precisava me preencher.

 suas mãos me preencheram muito bem - molhada. por fora. mas era o limite e era tudo. eu rescendia ao rio que corria em mim, mesmo que estátua. "quando você chega?" era minha pergunta boiando no rio e eu molhadíssima, eu violenta sempre sempre sempre imunda e rápida, ainda que no recato. "não quero dedo" mas me arrependi depois. cheia de intenção ela toca o vazio, e eu sinto - ela é bailarina.

 um papel, um tecido, uma mão qualquer... meu rio desemboca no retrato gasto dum passado sem cor, inválido, pouco muito pouco. minha emboca num gesto frívolo - e se perde - nos sedimentos: forma fixa, persistente, areia que fica ali sobrada, tanta sujeira, lama, restos - na boca do amar.