sexta-feira, 31 de maio de 2013

Há qualquer coisa


 há qualquer coisa em meu peito
 
 qualquer coisa como um pássaro
 que em tom menor cantasse aquela canção vadia

 inexplicável melodia.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Ruídos nº 4

me cansaram os silêncios

das flores

das mesas postas



_ não falo, não penso

não rimo


me deixaram as brisas

os campos

as paroxítonas



_ não rio, não choro

estou ali, desestado

 atado



zombam de mim os sonhos

os rios

e o mar


_ não! não quero barco -

quero a vaga sonolência

daquela manhã que perdi por engano
(um menino perdido que dormia sem fim)

eu quero aqueles silêncios
que se desdobravam em mim...

Pobres considerações


entre folhas secas no quarto de alguém que viveu

"

 _ um gesto que, por maior que eu, me transpassava e me obstruía - fiquei impossível - não segui dormindo. despertei no meio duma gota fria de suor, que me envolveu nos segundos antes desse gesto tão grande onde eu toco seu rosto; ele me traz sua presença apagada ... ainda fito o momento que passava por mim, agora dissipado. cheira.
 preciso de um corpo que contenha, que defina. preciso me conter como um corpo d'água e estou assustadíssimo de despertar. não entendo. vou sentar à beira da cama e seu rosto ainda é táctil, vivo. eu havia me esquecido de detalhes, mas esse gesto me trouxe os vincos ao redor dos olhos dele feito caminhos na terra. há tanta coisa para lembrar, entre dias e dias e de repente, ele. um corpo morto por silêncios. palpito. trêmulo. 

 ontem eu, transcendendo, entendi.
 entendi a vida e como um corpo fora de si permanece outro. precisei chorar mas não pensei nele, pensei naqueles que amo e amei, enquanto em êxtase dentro de mim dentro de um palco ou uma luz ... entendi amor e fui amor. ali começou meu gesto, que era menor e carregava minhas mãos em levezas, minha boca em diálogos, meus olhos em lágrimas. cheguei em casa com outros corpos no lugar do meu e apenas deitei. entendido da vida com um erro que eu não sabia ou quis. mas esse gesto veio comigo e me traiu fazendo compreender um homem dado morto, calado, desfragmentando meu corpo em poemas.

 eu, sublimando em versos.

 como cheguei aqui não sei. creio que foram anos ou meses que me distanciam dele e do seu corpo tão esguio como linhas que, por acaso, se encontraram. além disso, não há o que contar: ele escrevia poemas - dizer basta para estancar tragédias e possibilidades daquele menino todo homem. levava roupas simples. tinha o quarto simples e as palavras no entanto ... desdobravam-se em barquinhos que eu deixava a corrente do pensamento levar silenciosos sem ressoar metálicos na minha mente. eu evitava pensar; ele excedia o pensamento e transbordava nos olhos.
 era, sobretudo, inocente nos modos. eu carregava malícias que ele não podia saber. na confusão da torrente de ideias e da inocência nasciam tolices, palavras erradas, problemas inventados, toda irrealidade táctil de uma mente que se sobrepunha à si própria em meio ao amor. depois, compreendi - não como hoje compreendi poesia, porém - e sorria ao lembrar do vacilo dum corpo. ri. ele perpetrava pequenos atos violentos. jogava entre afeições palavrinhas maldosas. até que por não-sei-o-quês ele sumiu. e eu fingi esbravejar mas aceitei o ódio como se aceita uma palavra dura duma criança.
 então fui despido daquele pequeno passado - seguindo, amando, doando-me de corpo ao que apareceu.

 me subiu sob o corpo um verso: quem são os anjos? serão essas sombras que te escapam do sono? e fiquei acordado aqui tentando voltar ao que fui até ontem, destranscendido puro e simples, esquivo de sonhos ...

 não sei escrever. essas palavras me vieram nascendo por outras mãos, pelo gesto de sobre-mim. suspeito saber onde andam os olhos sujos dele, sujos sempre de melancolias tão vivas, animaizinhos que se debatiam, debates, abates. estão os olhos perdidos em lembranças. hoje invento uma explicação para essa dor que me entorpeceu através dos espelhos - nunca fui assim, des-amado. surgindo dum egoísmo ao qual conheço quero não-entender os porquês dele. e estavam enterradas todas essas sombras de ideia, como hoje numa noite pretensamente clara ele se assombra sobre mim? o que me desespera é que não são acusações (antes fossem) mas são apenas tristezas que se prolongam para fora das raízes dos verbos. não me era permitido compreendê-lo e agora numa torrente de saber não só compreendo mas recebo. quero fazer perguntas descabidas para as quais não existem orações e te bater com punhos abertos ... mas, meu deus, ele ofereceria a outra face e aí nasce meu desespero incontido. ele sorriria feliz.

 a noite me delata. os objetos caseiros se esbarram. uma vez de pé, me deito. deitado, levanto. escorro pelas paredes sem me espalhar pelo chão - em crayon, esboço um verso e um retrato na parede da sala de estar sem cortinas, entre penumbras dos postes lá fora. agora me veio que ele deve ter achado quase bárbaro a sala descortinada quando aqui dormiu. mas, de fato, ele dormiria em qualquer lugar, ele apenas buscava um corpo como um barco ao qual se agarrar. ali, era eu e estava presente solidificado. ele dormiria em qualquer lugar pois ele não estava de corpo presente como eu. onde mora sua essência? preciso questionar suas horas pois agora que você me veio não te conheço ou sinto. passei, rompi, evadi-me. eu era tão feliz.

 agora, parece que consumi a vida.

 ontem sobre mim havia uma luz púrpura - fui jasão mas chorei como uma medeia rasgada. me despi de mim. saí daquilo que me foi dado em batismo e caí no outro lado, era ali a vida pura correndo, tudo compreendi e me era dado ... depois houve festa, barulho, suor ... comemoramos como loucos ... mas acho que o gesto que crescia em mim já era um incômodo quando senti aquela necessidade de voltar e voltei ainda etéreo mas consciente. eu nem lembrei seu nome. como é teu corpo sob a luz?
 porque nasceste da minha escuridão?
 por favor, se subtraia de mim.

 antes que amanheça, preciso ver se o céu não se desdobrou em dois. sua presença não está na casa senão em mim e no céu. corre a rua um frio que conserva qualquer brilho, preciso contar isso à alguém mas me parece impossível ser compreendido de tanta compreensão. entretanto ele saberia o que dizer entre pausas que não se despedaçavam ... mas não posso ligar ou gritar ou quem sabe esperar um encontro inesperado numa estação qualquer, isso seria ceder e preciso entender quem fui não mais quem sou ou entendo. já não me conheço de qualquer forma. meu corpo numa pele em artifícios, minha carne ... que sangue é esse que eu não sorvo ou conheço? quem me deu meus olhos? eu - envelhecerei e ele não saberá meu rosto. eu preciso lhe contar como abro minha carne à sangue frio sobre um palco de fumaças ... você precisa saber homem, mas já está tarde. estou semeado da sua recordação repentina como se num instante fosse descoberto que era possível te amar como a mim mesmo.

 como fosse preciso enfim te reconhecer e me desfazer em verdades - era reparar um erro ou estancar uma flor vítrea. você é tão digno de amor _ meu deus. meu corpo se torna amor, amor em outros nomes como campos ou ígneas rochas. o gesto está totalmente trespassado de mim e eu dele, e, agora enfim, te tomo entre braços impossíveis e sussurrarei: entre marés, me perdoará por aquiescer e sorrir. não dormirei por cinco noites. batizarei outros corpos do teu ... além disso, não há nada que eu possa fazer - deite-se comigo e, por favor, me faça dormir.

"

terça-feira, 28 de maio de 2013

Reembolso


 veio o correio
         me dar de volta
 minhas sombras
         reembolso postal
 em mala direta
         sem remetente, cartão
 ou coisa alguma
         apenas as sombras
 e este dia de sol
         queimando viva
 a pulsação das pedras ...

 sento-me na escada do quintal
         o correio parte
         acaricio minhas sombras
         usadas, alimento-as
         com um sorriso

  _ uma delas está partida ao meio.
     uma delas está roubada
     uma delas tem tua cor, empalidecida

     uma delas, no entanto, procurava apenas compreender
   
     as coisas à luz do dia...

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Segunda-feira


 recite meu nome
 como se eu não escrevesse
 não gostasse de Pessoa
 ouvisse rádio
 ou dissesse coisas conexas

 como se meu corpo fosse mistério
 e não lesse sonetos
 navegasse silêncios
 em diminutas imensidões

 lembre-se de mim
 como se eu não fosse um acidente
 e permanecesse calado
 nunca jamais te fitando
                     te fitando com olhos mognos

 procurando estrelas em reflexo do céu.

domingo, 26 de maio de 2013

Pra gostar de alguém - In Memoriam


 espere atingir o ponto

 da maré atingir os olhos

 em barcos de preces roucas

 ecos de passos

 ...

 espere a vazante

 nos sonos cansados

 regatos parados

 barquinhos-machê

...

 ao sentir um cheiro triste num cômodo qualquer
 desperte. me roube um poema. me dispa de mim.
 sonoro _ crivo _ alastro. percorro e permaneço

 fujo de compreensões sobre seu corpo-mastro

 eu, leme.

Pra gostar de alguém V


 guarde com laço e fita
 cada memória amarela

 (permita que esqueça)

 separe
 a metade mais bela
 - da outra, nada pude fazer.

 dessalgue a alma
 amoleça as carnes
 destempere crenças

 (e não se esqueça)

 cada gesto sela
 um tesouro aberto.

 cada esquina escreverá canções em falso.

Pra gostar de alguém IV


 ouça bem o vazio
 nos discursos do vento

 não se esconda: permita-se chover

 não negue carinho à nenhum cão

 e ao fechar os olhos
 lembre-se de alguém

 alguém em silêncio que te ofereceu, inocentemente, o coração.

Para gostar de alguém III


 deixe decantar a chuva

 ao céu
 direcione uma câmera escura

 reserve um domingo

 revele os negativos

 (no fundo da chuva decantada
  há uma canção
  em relevo retrato:
                             um olhar
                             pra ser amado).
 


Pra gostar de alguém II


 numa foto qualquer
 troque olhares
 com um desconhecido
 que faleceu

 preto e branco.

 acene

 reserve quando a-parecer saudades
 (e, ao som do cool jazz, você chorar).



Pra gostar de alguém


 plante uma flor

 regue-a

 olhe-a crescer como se observa a lua crescer

 assustada correr um céu
 longo, profundo, maior do que ela jamais será.

 não é estar pronto
 
 (nunca se está pronto).

Tu, pronome


 manchas na velha toalha     boletins de ocorrência
                                           tragédias domésticas

 pausas nas conversas         lembranças repentinas
                                          bau de melancolias

 poeira na estante                preguiça de sonhos
                                           fantasia incolor

 olhares vagos                     palavras em fôrma
                                          que já não cabem (em)

 poemas                              xaropes disfarçados
                                           morfina

 tu                                      
                     pronome (eu)
         
                                                   só
                                         



                                         


     

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Notas


 "what will you look like when you're old?
  what will I do if I don't know you?
 I guess that I decided not to ask the day I took the road."

 pensei tão gravemente na sua pele se curvando sobre si, e nos cabelos finos caindo caindo caindo caindo caindo ... sons graves ... sei entretanto que você morre antes desse fim. compreendi tua natureza. você é como uma peça maior que o som de tão bela e triste, apesar da alegria aparente. eu, me afogando numa agonia muda, só tive a opção covarde/corajosa: partir no primeiro ato.

 ***

 estar rodeado de si e não se conhecer - será essa a prova de algo imaterial? o espírito que me habita e é - eu, ser material, tateando seus contornos buscando saber qual formato possuo e limito ... eu, limite duma coisa a qual pertenço e possuo sem, entretanto, comandar.  

 ***

 se você amar, simplesmente, no violento ato eterno de encarar sua própria face no espelho - ou, com os pés, esmagar uma flor. esse amor nascido de violência, surpreso - e se você amar? partir para fora de si e se abandonar - todos os caprichos, todo o eu, todo esmero - sujar-se como nunca antes - num passado, o antepassado divertindo-se quebrando pescoços de galinhas e vendo jorrar sangue. se você amar assim outro homem? sem a condição. as condições. afundar no sujo da incondicionalidade e rasgar prantos. se jogar no absurdo do ser/estar e viver, empapuçar-se de fluido úmido e do antes de você (matéria negra) ... se você amar? será perigoso? vamos, aos poucos, inundar seus olhos turvos, rapaz. e, da sua fantasia de menino, fazer longas tiras loiras ...

 ***

 ... e sermos jovens e percebermos - e nos apressarmos - e nos contermos - e termos medo - e não irmos pra praia numa quarta-feira - e só irmos dançar inofensivamente - bebermos sem perigo - voltarmos pra casa - e nunca partir - e sermos jovens velhos até morrer ...

Santa Cruz - Vergueiro


 tomo a cerveja de vazio pra poder ficar levemente tonto antes de chegar na estação. é assim também o que se faz com a ausência duma imagem ou corpo: a gente puxa a linha fina da memória quando há fome, aí pra aplacar a tontura um docinho ou uma cerveja, um filminho francês cai bem numa tarde assim ... eu escrevo.

 antes de chegar à estação. santa cruz - vergueiro oito e meia da noite. as pessoas passam por mim sem muito sono ou consciência. derrubo um gole de cerveja na roupa se espalha o cheiro ... juro que poderia ser pieguice - no entanto há um perfume relativamente barato que me segue ... posso jurar por deus caso houvesse ou haja de sobretudo na noite clara. termino a cerveja onde termina a domingo de morais perto da rua do paraíso e termina o desejo de seguir - tonto. estou me perguntando silencioso várias coisas. não há carros que superem as perguntas. a pracinha escura de tocaia observa a vinte e três de mais de cima. tudo que possuo é em forma, uma vontade. a de entender como não foi, na memória, ele pedir assim, calmo _ olha, eu sei disso, mas eu queria que você ficasse ... _ olhasse da janela ... _ me salvasse aos poucos _ então não sei (sorrisos) ; se seguindo um rascunho de promessa e a gente olhando a contemporaneidade do mundo fica incrédulo, mas somos assim jovens e os peitos abertos, só que ... simplesmente entender porque um barco se choca em alto mar com outro barco vazio é extemporâneo, permanece fora até mesmo da irrealidade, entendo.
 chego na estação de novo e ali estou, mais um garoto por que não passamos todos de garotos, meu rosto está tão desfigurado que eu sigo pra casa sem que ninguém perceba que meu nome é ou está " _ " 

terça-feira, 21 de maio de 2013

Poemas anônimos ( I, II, II )


I

 inútil seria te ouvir ou ver.

 há muito as ideias estão párias ou célebres
 gravadas em cristais trincados.

 portanto, seria inútil tocar-te
 hoje ou antes. sei da fragilidade do tempo

 estou só como uma mulher que, no trânsito
 ilhada em destinos de outrem
 vende passatempos e doces. delicada forma.
 presa entre passagens
 sem ir a lugar algum.

 II

 entretanto, procuro-te.
 mesmo sendo inútil a ti tocar ou ter.

 já não navegam em funções de amor
 as razões, pássaros espontâneos - madrugam, apenas
 invernais. procuro-te em fuga.
 fuga de mim.
 dum fluxo atemporal
 que julgo meu.

 III

 sons exangues são aqueles das canções
 onde se violam dor em canto.
 (poemas violados em deleite)

 porém não são como coisas vivas,
 encontradas em matéria morta.
 assemelham-se às estrelas que batizamos
 pois, assim nomeadas, ganham o dom da fala
 cremos ouvi-las, sem entretanto

 compreender.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Sombra


 o futuro é um susto

 passos noturnos
 que madrugaram

 página vazia na qual escrevo poemas
 que ninguém leu

 jogo absorto palavras doces, neste mar, branco
 onde navegam eternas
 sem morte _ agonizam

 partem as horas a partir do Sol
 as distâncias, das estrelas
 a idade, dos vincos vogais

 sussurram entrementes
 mentalmente
 um sobreaviso

 "ele entrega o amanhã"




domingo, 19 de maio de 2013

Espanto para domingo à noite


 o mundo é grande
 cabem os bancos dos cafés

 porém pequeno
 não cabem todas as estrelas

 nesse momento
 existem planetas vivos - não os veremos

 no meu corpo cabem sons

 não cabem outros sentimentos _ logo saem
 pelas mãos, olhos e outras frestas

 não cabe viver, viver não existe

 viver é contar histórias.


Sonolência para domingo à tarde


domingo úmido
 gotas de som


_ postes de luz
   a vapor


 vibrações

está proibido viver
à beira de considerações.



Suor


num farol da avenida tiradentes, A mulher vende água gelada _ eu achei curioso que do seu corpo escorresse o suor vivo _ talvez se ela pudesse colher o próprio suor para vender _ as pessoas, obviamente, não o beberiam _ porém se o guardassem _ juntando aquele suor ela própria nascesse _ ou ainda uma outra mulher, que vendesse água gelada no farol _ eu acharia tão curioso que do seu corpo nascido do suor escorresse mais suor vivo e ela, serena, sequer percebesse ou se desse conta de viver.

Cisco

voam do saara
até seus olhos

dourada e seca

são presentes
alísios, atlânticos

fina poeira


(tez machucada
 memória erma)


da cor delicada
dos teus cabelos.
















sexta-feira, 17 de maio de 2013

Impressionismo


 gosto como o rio corre amplo, profundo

 em direção ao mar ignorante
                              amplo
                              profundo

 o erro da folha flutuando na corrente
 foi não saber ser menos
                                    que o tempo

 recolheu em vincos dias verdes
                               dias de sol
 pesados - porém ela cai leve e serena
 segue na
              corrente
              em direção ao mar amplo, profundo

 longe, gosto como corre, não enxergo folha

 penso então que eu mesmo, entre rio e folha
                   poderia cair leve e sereno
                   no ignorante,
                                      amplo e profundo.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Diário íntimo



 _ certa vez eu conheci alguém
    que gostava muito de chico

    nós nos esbarramos num armário

 (às vezes parece
 que possuo lembranças que nunca vivi)

sexta-feira, 10 de maio de 2013

3


 ***

 o que é um homem que viaja só com seu sonho? será preciso despertar um menino do sono? eu me pergunto sempre e outra vez me repito: perdão se me engano, pois está vivo, fechou a janela pois um homem viaja só com seu sonho ... mas nesse homem só se vê menino com capa de super-herói ... diz pra mim, como será possível forjar um homem? estarei sempre buscando qualquer verdade, qualquer matéria real num mundo tão fugidio e fugaz, leve, etéreo, bobo? - mas não para chegar à verdade, senão para percorrer o caminho e, dessa forma, imaginar viver? mas este sou eu, contido em mim ... e não estou me descrevendo somente ... e não sou aquele que, protagonista, conta qualquer coisa. isso significaria apenas um homem querer estar despojado de impressionismo mentiroso na tua órbita, falando de céus e chuvas para te fazer despertar, de levinho, e se encantar vendo a beleza da rua ladeada de árvores tão bonitas. e é tão distante que se poderia adormecer ... é tão mágico que se escrevem parábolas ... mas é preciso impressionismo, e é preciso mentir ...

 não - não posso lançar perguntas tão pessoais, ainda que tão próximas daquilo que se precisa contar. perguntas mais amplas serão necessárias como por exemplo: você precisa encontrar as pessoas e ficar de mãos dadas com elas, conversar com a boca e os olhos do coração? 

 ... os olhos do coração se abrem brevemente ... medo da cicatriz ... a boca segreda medos amordaçados ... nossas mãos são pontes para o outro, constantemente fechadas - e por isso nos as lavamos tanto, é preciso não tocar não tocar em coisa alguma ... parece tão óbvio hoje como antes era mais ...

 ... mas isso é porque um homem viaja só com seu sonho - e não pode ser forjado dum garoto que, a ele, apenas resta crescer ...

 ***

 um casulo vazio e seco. você deixou para trás qualquer coisa infinita e diminuta, imemorável e permanente. algo como uma sensação talvez que você repita sem perceber ele se desenrola em outra que se percebe sem repetir ... agora não se pergunta mais o que foi - mas entende que ele não poderá nunca mais ser apenas mais uma pessoa que, num dia normal, pega metrô e encara o vazio.

sábado, 4 de maio de 2013

2


 explicaremos agora o porquê de um gesto silencioso: uma palavra abria caminho do estômago para sempre. costurava uma reta, descosturava torturas apagadas, regurgitava e ele precisava dizer e ser dito. entretanto como imperava uma pausa na partitura, sobrou o gesto - seco - duro - sem aspas. um tornado, ele era o tornado encontrando a terra seca, o tempo frio esbarrando no calor perverso dum verão: a monção. todas as suas ações necessitavam de violência ou de ternura, mesmo as pequenas, duas opções claras sem meio termos. os meio termos são fraquezas são dúvidas, anti-matéria da cruzada que perseguia. a sensação que possuía era a de matar um homem, nas palavras mais quentes da tarde, espero que você seja muito feliz. como somos justos, precisamos contar um fato ou uma história escrita. abandonar essa descrição da linha que ligava dois momentos e falar do que eles são feitos, um garoto quieto que se transformou em homem e _ o que foi um gesto silencioso?
 o primeiro momento um testemunho (o segundo): choro convulsivo numa praça. vamos te contar esse fato imprevisível ... ele voltava para casa. era simples. voltar como se não houvessem opções. voltar é todo um ínterim porém, e nesse ínterim ... temos que contar ... adivinhou a vida ou a história ou ainda o tema da canção que cantava ou escrevia como se numa noite vislumbrasse o futuro. recebeu no celular uma mensagem. e dela adivinhou. baque surdo que atingiu em cheio as sutilezas do olhar e lhe deu um nojo, uma náusea que não passava e não permitia ... então no caminho, parou numa praça onde vomitar foi regra e chorou com um desespero desconhecido de si. com exceção da testemunha, ninguém viu, e por isso há o mistério dessa noite incontida . mas estamos longe do gesto. 
 precisamos do segundo momento.
 no quarto, uma cama e ele está sentado. não há testemunhas e apenas adivinhamos que era assim pois esse é o caminho que o narrar percorre e sustenta. mas também não podemos detalhar tanto, sabemos que era e num relance ele olha para a vida e o futuro cristalino percebendo a consciência. lembre-se da xícara que se quebra e é irreversível, essa tristeza da xícara está contida nos dois momentos ... saber que, sendo medeia, morreria e mataria - sendo jasão, mataria parte de si e falhar - talvez seja até mesmo a própria linha que liga os dois momentos. como algo que se parte está quebrado para sempre sem que um gesto revolva os vulcões do inevitável. um gesto. 
 o gesto em silêncio.
 foi tão fácil que era até cruel, tão simples que era só voar sem aprender. varreu uma existência para sempre sabendo não varrer, decidido a não ver o amanhecer acordava sempre às nove. e se contássemos pareceria tolo porque foi. então não contaremos mas, ele sabendo ser a linha que uniam outros dois momentos distintos, soprou-a simplesmente. 

***

 tememos entretanto ter falado de um garoto-homem, de momentos de sua vida e de um ato importante mas termos perdido algo nesse ínterim. talvez seja uma história de amor, e seja preciso explicar isso. talvez seja um capítulo perdido dum roteiro de drama. ou talvez etc etc e perderíamos muito tempo em considerações. a verdade crua é a confissão sem medo, despojada, e confessamos portanto não saber, de fato, do que se trata por serem muitas coisas. 
 seria preciso dizer que se trata de algo, de fato? a vida é sobre tantas coisas, da mesma forma ... ele cresce, ama, ri e chora e vomita essas coisas ... e o mundo se estende em planícies infinitas, visto de longe - o mar também amanhece e noviças fazem milagres à noite, ao céu, aos ventos. se fosse apenas outra história de amor ... ou uma peça ... mas ainda que haja amor e drama, queremos falar do que não é dito. de como numa manhã ele ouve sua voz e o tempo estanca, vibra. poemas nascem entre sonos, dias percorrem veias, e tudo se prolongou sem que se percebesse. essa narrativa deseja isso e, se possuímos um objetivo, aqui está. abrir um corte no pulso do garoto-homem e entender, onde porquê e como um dia amarelado de sol pode tomar nomes diferentes, impronunciáveis. 
 será, enfim, fazer a autópsia do casulo qual, ao se transformar em homem, abandonou para sempre deixando atrás de si cor, vislumbre e inocência.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

1


 existem dois momentos, um supostamente passado e outro supostamente presente (porém se ele está sendo narrado agora isto significa que ele já faz parte do mesmo passado que o primeiro. e os passados não tem fronteiras, podem se misturar deixados a mercê da memória ou da confusão ou da bebida ... ). a linha que os liga começa, logicamente, no primeiro, com uma frase complexa - será possível achar um caminho ou quem sabe um meio-termo, pois estou estou louco e é como amanhecer e estar perdido de si, caminhando insone. eu deposito etc etc. e, por ser um começo de frases, está entre sombras, outras palavras não ditas debaixo do texto precisam falar como testemunhas oculares dum crime político _ ele já sabia (testemunho nº 1) _ na corda fina que separava a realidade do desejo, sentiu dor (testemunho nº2) _ a essa altura, sentado numa praça, chorou convulsivamente, sem aparentemente saber por quê mas como se antevisse o futuro, sozinho (testemunho nº 7).
 um começo muito delicado para ser contido num primeiro momento. a linha prossegue seu caminho de existir mas preferimos ocultar uma narrativa, para isso existem romances e pilhas de contos e blogs pessoais. queremos o segundo momento. onde o futuro desabrocha e morre sem murchar. a frase que termina a ligação dessa linha tênue é mais simples, será? não queremos destrancar seu signo íntimo e espesso ou talvez ela não signifique nada. as vezes que percorro com os olhos meu corpo e vejo o vazio profundo em forma de buraco-negro de bala, fico calado e hesito, hesito entre existir e desistir, em ser gente e ser lobo. não há testemunhas para o crime que se cometeu agora. uma mulher no ponto de ônibus disse para ele  não namorar que dava trabalho e os moços deviam estudar, né? uma pessoa que passeava com um cachorro olhou firme em frente ... mas isso são migalhas, coisas sem importância e não tem valor jurídico ...
 deus, escrever é tão dificil que precisamos desistir de ser gente e ser outra coisa. 

*** 

 afinal, o que será isso? dois pontos distantes no tempo ligados por uma linha que mal existe num plano real e táctil ... onde as coisas se transformam pra sempre? esse não é o caso de um porta-retratos que te lembra alguma coisa. no limiar entre estar só ou em si, um garoto precisa crescer. ele é esses dois momentos tão profundamente como ele deseja ser um terceiro ponto no vácuo. esse é um caso de um inconformismo com o acaso. temos poucas provas, havia verdade e ela é inútil agora. ele sabia antes e depois veio a certeza, que é uma verdade confirmada em si, e depois um desespero e depois ainda, muito depois, no segundo ponto: essa tristeza diante de qualquer coisa infinita e irremediável. a priori por que era um garoto e todos os sentimentos nessa idade são ou levianos ou muito profundos e truncados, e ele por infelicidade de acaso era do segundo tipo de pessoa assustada e quieta - porém séria sempre, até seu riso era sério ainda que nunca parecesse, tudo estava sombreado. de verdades, também. ele deu muitos nomes as coisas como: vela, navio, amor ou tempo e eram verdades. mas contra a indiferença são mortos dom-quixotes ... e o acaso não poderia ter sido mais criança, se fosse consciência de qualquer coisa. será sobre isso? ou estamos apenas tristes? talvez seja mais simples como uma xícara quebrada é irreversível. o segundo momento se confunde com o primeiro mas com os olhos secos inundados de realidade apenas. uma frase nasce da boca, me perdoe a intolerância mas perdi seu nome e virtude num buraco-negro de bala ... que partiu a porcelana do meu peito ... em mil constelações.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Único poema em verdade


 no frasco noturno
      onde guardo macias
 palavras
            soturnas
 jovens
     leves demais

 aquelas que formam
                    frases
 moças
          delicadas formas

 vaga-lumes
                insones

 ...

 três mortas secaram

 ...

 no frasco noturno onde guardo instantâneos
 notas frias
 voavam sem luz.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

"como rosa ou barco"


 tendo visto a vida assim de perto, muito lúcida e muito clara, não é possível que me ocorra qualquer engano de voltar atrás no que vi ou_vi(vi). as palavras jamais traduzirão a perplexidade que não me coube. a mão solta no trigo inconsciente duma vida que poderia ser qualquer uma _ que percorre o além de mim. estou perplexo sem poder ser simples novamente, embalado na onda vaga onde depositei meus ombros como rosa ou barco. assim toda dor se tornou palavra nova da lição estranha e incompreensível de estar consciente ... mas se eu não pude sentir cada coisa como forma plena e sólida, então terá sido um engano e eu apenas me deixei ser jovem e errar ... evito isso. gravo mensagens em grãos de areia móveis e claros. já não desejo passado mas desejo passar. 
 pude eu ser rota de passagem ou rito de mudança? nem um nem outro - talvez vírgula - e mesmo que não doa, prefiro não reler o discurso, tampar os ouvidos e adormecer. quero tomar outro rumo. vi a vida muito de perto. como rosa ou barco.

(inspirado em poema de c. meireles)

Um conto, mas entre parênteses


 escrevo por não existirem outros meios - escrevo onde a pedra é fria - minhas razões são libélulas ...

 (é domingo. minha mão seguiu um gesto e estancou numa vitrine. é preciso não escrever mas escrevo pois preciso, um oco, vento vazio, a droga repetida que persegue meu sangue, persiste mesmo agora - nada importa agora - você não viu os dias em que eu estive distante de mim e me mandei cartas que não chegavam nunca. em que estive diante de mim e não me via. enquanto me calei ... pois há um erro em mim que penetra fundo - uma tristeza de pensamento - quando sufoco a solidão e não entendo. somos todos solidão. mas é outra solidão, aquela que persegue um amor expresso mas chega atrasada de propósito ...
 passo a me pertencer aos poucos? o que vejo é sombra ilícita percorrendo ruas e ruas de batismo incerto... agora eu entendo que saí de mim e me voltei, mas voltei para onde e quê? só encontrei a necessidade de tocar o que está fora de mim. eu pedia apenas uma noite em silêncios divididos, mas era muito que pedir então me amordaçam com discursos ...)

 meu nome não é mais feito das mesmas palavras .

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