sábado, 4 de maio de 2013

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 explicaremos agora o porquê de um gesto silencioso: uma palavra abria caminho do estômago para sempre. costurava uma reta, descosturava torturas apagadas, regurgitava e ele precisava dizer e ser dito. entretanto como imperava uma pausa na partitura, sobrou o gesto - seco - duro - sem aspas. um tornado, ele era o tornado encontrando a terra seca, o tempo frio esbarrando no calor perverso dum verão: a monção. todas as suas ações necessitavam de violência ou de ternura, mesmo as pequenas, duas opções claras sem meio termos. os meio termos são fraquezas são dúvidas, anti-matéria da cruzada que perseguia. a sensação que possuía era a de matar um homem, nas palavras mais quentes da tarde, espero que você seja muito feliz. como somos justos, precisamos contar um fato ou uma história escrita. abandonar essa descrição da linha que ligava dois momentos e falar do que eles são feitos, um garoto quieto que se transformou em homem e _ o que foi um gesto silencioso?
 o primeiro momento um testemunho (o segundo): choro convulsivo numa praça. vamos te contar esse fato imprevisível ... ele voltava para casa. era simples. voltar como se não houvessem opções. voltar é todo um ínterim porém, e nesse ínterim ... temos que contar ... adivinhou a vida ou a história ou ainda o tema da canção que cantava ou escrevia como se numa noite vislumbrasse o futuro. recebeu no celular uma mensagem. e dela adivinhou. baque surdo que atingiu em cheio as sutilezas do olhar e lhe deu um nojo, uma náusea que não passava e não permitia ... então no caminho, parou numa praça onde vomitar foi regra e chorou com um desespero desconhecido de si. com exceção da testemunha, ninguém viu, e por isso há o mistério dessa noite incontida . mas estamos longe do gesto. 
 precisamos do segundo momento.
 no quarto, uma cama e ele está sentado. não há testemunhas e apenas adivinhamos que era assim pois esse é o caminho que o narrar percorre e sustenta. mas também não podemos detalhar tanto, sabemos que era e num relance ele olha para a vida e o futuro cristalino percebendo a consciência. lembre-se da xícara que se quebra e é irreversível, essa tristeza da xícara está contida nos dois momentos ... saber que, sendo medeia, morreria e mataria - sendo jasão, mataria parte de si e falhar - talvez seja até mesmo a própria linha que liga os dois momentos. como algo que se parte está quebrado para sempre sem que um gesto revolva os vulcões do inevitável. um gesto. 
 o gesto em silêncio.
 foi tão fácil que era até cruel, tão simples que era só voar sem aprender. varreu uma existência para sempre sabendo não varrer, decidido a não ver o amanhecer acordava sempre às nove. e se contássemos pareceria tolo porque foi. então não contaremos mas, ele sabendo ser a linha que uniam outros dois momentos distintos, soprou-a simplesmente. 

***

 tememos entretanto ter falado de um garoto-homem, de momentos de sua vida e de um ato importante mas termos perdido algo nesse ínterim. talvez seja uma história de amor, e seja preciso explicar isso. talvez seja um capítulo perdido dum roteiro de drama. ou talvez etc etc e perderíamos muito tempo em considerações. a verdade crua é a confissão sem medo, despojada, e confessamos portanto não saber, de fato, do que se trata por serem muitas coisas. 
 seria preciso dizer que se trata de algo, de fato? a vida é sobre tantas coisas, da mesma forma ... ele cresce, ama, ri e chora e vomita essas coisas ... e o mundo se estende em planícies infinitas, visto de longe - o mar também amanhece e noviças fazem milagres à noite, ao céu, aos ventos. se fosse apenas outra história de amor ... ou uma peça ... mas ainda que haja amor e drama, queremos falar do que não é dito. de como numa manhã ele ouve sua voz e o tempo estanca, vibra. poemas nascem entre sonos, dias percorrem veias, e tudo se prolongou sem que se percebesse. essa narrativa deseja isso e, se possuímos um objetivo, aqui está. abrir um corte no pulso do garoto-homem e entender, onde porquê e como um dia amarelado de sol pode tomar nomes diferentes, impronunciáveis. 
 será, enfim, fazer a autópsia do casulo qual, ao se transformar em homem, abandonou para sempre deixando atrás de si cor, vislumbre e inocência.

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