domingo, 30 de junho de 2013

Bailinho


 num local indizível onde despertam ervas mudas
 irrompem siroccos
 atravessados dos meus olhos soprados nos teus

 já em outros cantos, chovem clareões em sombras
 holofotes vivos, astros e outros contos
 enclausuradas de ideias. grávidos de viver.

 cada palavra ornada é uma festa de incertezas.




Diálogo com a sonolência



 _ interdito dormir

           dito o ermo
           em ter dor
           de entender
         
           este sono é indormável.
         

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Acusação da chuva


 "não sou água nem nuvem, sou evento - rito de passagem
 nasço e morro entre um outro e vento - rota de viagem

 apenas venho e envolvo paisagem

 vai felipe aprender a ser menos,
 a ser rito e meio

 a não ser água nem nuvem

 só alento"


quinta-feira, 27 de junho de 2013

Dois quadros desconexos à primeira vista




          tudo fantasiado de saudade inerte
       
          contos acabados em florada
          das ervas daninhas...
     
          perdi a mão na poesia
          de propósito
     
          rebelião de verbos

          motim substantivo
       


       

terça-feira, 25 de junho de 2013

Flor-do-brejo


é não saber onde piso e de separar cada palavra e saber que elas são especiais assim, cada qual em seu lugar. eu lembro de saber que ainda não era tarde - quando é cedo ou a gente faz ou a gente não se dá conta (pra se arrepender depois).

sabe, não ligo muito ou não ligo toda a hora, nem atendo sempre. não ouço o chamado e o barulho: tanto faz, vou me perdendo de pouco em pouco. perco o fio da meada e perco o pano: no fim não é nada demais; só uma luzinha dum vaga-lume que alumiou aquele instante - capas velhas revistas e encaras, diferentes ... os sorrisos amarelam estáticos, as formas permanecem idênticas - what will you look like when you're old? what will I do if I don't know you? - não guardo retratos, rasgo bilhetes, queimo ingressos e amparo no meio de frases, consolos.

outro dia, na esquina suja de mato lá perto de casa; o cheiro da flor-do-brejo antimatéria se conteve - é tão enjoativo que me cristalizou por completo. nas outras formas de viver, amar nunca se acaba; silencia.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

(...)


 com horror percebo saber possuir
 qualquer susto e um punhado de memórias
 ou anos
           
 cada ato é percorrido
 relances,
                de escada
                cada dia
                vivido

 versejo bobagens sob mantos
 minto amores e velejo
 tenho medo de amanhecer demais
 ao invés da madrugada

 (eis o segredo que eu desejava te contar
 às vezes penso - só eu sei dessa noite
 onde sou velho e vivo ao revés
 rindo do amor - do tempo - de partir e chorar...

 um rio de você)






quarta-feira, 12 de junho de 2013

É isso (mais nada)


 queria eu tomar esta tua chuva
 pra mim. roubá-la. comê-la.

 construir nos diques do espaço
 um vazio cometa

 cavar nos aterros claros
 desconexos poemas

 fixar minha sombra no ar
 saltando em seguida - sutilezas

 roer o osso do mundo
 e encontrar aqueles segundos
 onde eu roía carne:

 você, calado de espanto

 depois de um dia assim, violenta neblina
 garoas correias
 esbarrar com o destino
 destro

 é isso,
 (mais nada)


terça-feira, 11 de junho de 2013

Viagem


 meu estado de cansaço se descreve apenas como superlativo ou totalmente físico. o cansaço. o tempo varia margeando e eu o sigo - quando chego na rua bresser estou pingando algo cinza cor-olhar. meu pensamento como barco num novo mar ou uma terra sem lei parece até que eu perdi de vista aquilo que eu tentava precisar os contornos _ há rostos e costas, escarpas e morros que eu sempre me esqueço, e ficam confusos se perdem no dia seguinte. quero pensar mas desisto. e o gesto que me move para alcançar se perde. aonde estava o turbilhão que eu amava querer entender? já não sei.
 venho embora e tomo o metrô.
 tenho a certeza de não me possuir ou compreender e acho então ousado querer entender o outro, o passo seguinte, o limiar das pontas dos dedos _ mas explique-me, há tanta gente no metrô, como não posso ou não seria necessário ... são rostos e rostos dos quais eu me lembro, um velho com cara de índio americano, uma mulher cega que me estuda e perscruta ... descambo num vazio e acabo sem querer querendo encontrar um rosto que esqueci na ânsia de tentar assim poder rever a mim, como num espelho; espelho opaco e frio que eu toco com minhas mãos quentes. caminhos enveredam por certezas novas que eu vou colhendo _ adotar um gato _ e viajar _ e ter filhos _ encontrar alguém _ um passeio no parque _ e elas vão se assemelhando a uma vida que não possuo nem é minha. e eu nem desejo nada disso. aquele dia chegando em ribeirão, eu desejei amar qualquer coisa, preciso amar qualquer coisa, preciso olhar o mar e amá-lo preciso ter nas mãos um instante e amá-lo ... hoje de manhã escrevendo este texto, eu desejo



me partir

***

o processo descontínuo de viver é um cansaço infértil em mim hoje e desde que precisei fazer brotar uma hera nos meandros do peito. então, imperplexo ainda, entendo que preciso começar a narrar uma história mas não sei ainda bem ao certo qual delas poderia discursar no meu lugar. de qualquer forma: será preciso a tentativa e o erro, e se me perder o sono ou a conta posso ter certeza que _

 era uma vez, fora de qualquer corpo, aquela ideia insincera de viver ao menos no máximo ou ainda: era uma vez o teu corpo - ou a ideia do teu corpo aos meus olhos, vítreos. se ele pulsava era desnecessário dizer, considerar aquelas juntas como algo próprio de um ser sempre foi muito além de qualquer verdade. simplificando: você é/está. eles são num ser somente. eu sou em ti. você é em lugar algum, porém em qualquer hora do passado, foste. é isto que eu devo narrar. a imprecisão de ser estar enquanto vida pois enquanto homem os adjetivos se desdobram; se confundem onde viver é uma plenitude disfarçada de sombra e você não sabe errar e acertar simplesmente. o momento início é: o corpo, mulher cega e o desejo de amar qualquer coisa em instantes homeopáticos. 

 o corpo:

 (...) meu estado de cansaço é superlativo, entre parênteses apertados tristes e cheios de subjetividades ... eu preferia apenas consentir em nascer e morrer. brotar e murchar. haveriam outras opções além das que, em colisão eminente, meu corpo procurou o teu e encontrou passados? 
 o metrô passa e atravessa o cenário triste da cidade que me abriga entre tempestades, onde você me espera para não ser mais só - e, eu, só mais um ou outro dia. transito entre instantes pois o tempo se curvou ao meu prazer e agora estamos dançando uma valsa em dois... de repente meu lado se preenche de ar ou ausência, variando entre esperas e um barco que sem sonhar se continha no meu calar. de surgir em surgir eu preferi evaporar - espere
                                          era só uma viagem de metrô como qualquer outra, meu corpo perfilando-se ampliando nas curvas. quero contar e preciso contar como me expando em sentir amar por aquilo que se esconde na sua cavidade ocular; onde eu não chego; também não chegam minhas delicadezas. quantas são as partículas que, sem se olharem, se margeiam e formam cada delicada curva no seu corpo tão fora de mim? quando meus dedos alcançaram os vales mais indigestos não havia nada: apenas terra desolada e silêncios. eu chovi inúmeras vezes e não ouvi respostas do tempo.
 por tempos: amo-te. mato-te. teimo-me; desconfiando ao mesmo tempo das palavras. no vagão onde ainda resto ouço falar em amar e matar, teimosias humanas, palavras tão compridas e exatas. mas por "amo-te" me limito a significar: versos que saem pela minha boca e mãos e eu não compreendo. por "mato-te" significo: sombreio e me escondo na multidão, simulando sua ausência agora sempre. investigando assim as palavras elas perderam todo formato sagrado inicial e, por isso, ouso escrever.

 mulher cega:

 (...) ela veio de algum lugar muito à leste da cidade, e ali no vagão ela me encarou com os olhos que não possuía. você me enxergava de pé porém: jamais viu.

 desejo:

 (...) o desejo queima lento, é tão forte incenso ... senti o cheiro queimar longo, madeira, mas eu sentia medo também, e pudor. vi o incenso se desfazer como cinza e a previsão do futuro era essa: parece o inevitável buraco fundo - eu estava caindo e paro caindo e paro até que eu digo - não quero sentir nada disso, quero ser paz profunda que cai lenta até atingir o breu num baque - eu já não cheguei no tédio? não, eu cheguei na primeira barreira até lá e foi insuportável sentir o calor que emanava. quero o sangue mas não posso suportar; quero a paz e não posso suportar tão menos. não suporto oestes e lestes: meu cansaço é bidirecional. 

Entre grãos de areia


 essa correnteza, bem sabe
 frágil incerta
 recriará no espaço do antes
 o "desse depois" (enquanto havia)

 essa correnteza, tão inútil
 (tecido do espaço tempo)
 nos move, encontros e opostos
 nas contrárias vírgulas.

 vivemos imperceptíveis
 espaços mínimos
 invisíveis
 sem tempo
 entre os grãos de areia.

 ***

 depois, passamos.

 hoje, estou eu.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Animal noturno


 marcou pegadas
             em mim: trilha

 sorrindo, a abrir caminho

 ignoro os ruidos
 mas sinto o erro

 como se, animal
               noturno

 rompesse madrugando
                                               o formato das coisas.


Poema Tecelão


 fazia anos
  todos os dias
  tecia o tempo
  e cosia
  na grande fiadeira
  de cerzir
  lãs atemporais
  infindas.


  fazia anos
  todos os dias
  e outros serviços.

domingo, 9 de junho de 2013

Para que as palavras sejam abrigo


 eu queria aquelas flores menores
 brancas vermelhas

 aquelas
 que crescem na inconsciência

 todas
 que ornavam os atos

 mortas
 aos pés dos santos

 desejava-as como peças
 suas pétalas

 seus passos
 ombros. silenciosos ermos
 de vida. isolados.

 eu querias as flores menores
 detalhes brancos vermelhos
 mas era desejar o etéreo
 e, de ato em ato, parti-me
 de cena em cena, para não mais.

sábado, 8 de junho de 2013

Poema meio bonito (Maria III)


 maria,
          gosto do teu jeito manso
          das saias amassadas
          dos teus erros francos
          e passos errados (guardei todos)

          gosto da sombra fina
          que teu corpo faz
          contra o Sol

          do teu cheiro doce
          e olhares fáceis (guardei todos)

 maria,
          gosto da tua tristeza
          tanto quando da alegria
          e das pausas. todas.

          gosto de como você preenche meu olhar despretensa,
          gosto de sentir sua falta aos pouquinhos

          (só não gosto de te lembrar
          que preciso te esquecer).

Poema meio sentimental (Maria II)


 se você estivesse aqui,
                                  maria

 diante dessa aurora,
                                rajando o céu

 seu coração ... face

 ganharia um par de asas,
                                       eternas
 sua sombra seria minha
 todas as outras seriam
                                    versos ...

 maria, esta aurora é da cor,
 das poesias que fazem o meu coração ...

       

quinta-feira, 6 de junho de 2013

(o meio de um conto sem começo nem fim)


acordar é estar orvalhado, ser acordado é lembrar de cicatrizes, orvalhar é estar fora de si _ sereno.

andei ficando bravo. é pra ficar bravo? não sei, conta pra mim? tenho ficado bravíssimo como os aplausos duma peça de um ato. meus gestos crescem pra além de mim e me transpassam, horrorizados de serem meus: ele num crime tirou meus olhos da paisagem mas não tirou a paisagem dos meus olhos - o que serão as nuvens que estacionam na íris-esquerda, distantes e róseo-purpuras? são sonhos por viver ou só depois de esquinas sujas e corpos corpos usados? você: um corpo. mas, e eu? que sou eu? essa pergunta universal move meu gesto gigante me varando o ser, sem-blanche (apenas noir), preocupadíssimo. é com pudor que recordo do único momento em que nosso olhar se cruzava sem medos, animais. sinto um arrepio de nojo e uma tristeza corrente pela inocência onde me afogo e embebedo - entretanto agora ela está morta, cega. acabou. fiquei com a paisagem apenas, um objetivo ou um assunto, mas a inocência: essa despertou. o que é um menino sem inocência senão uma sentença de morte que não se cumpre?

 parece que, sem querer, amanheceu. 

terça-feira, 4 de junho de 2013

Ex-cêntrico


 foi engraçado
 um dia - remetente
 no outro - destinatário

 quando dei por mim
 a mensagem na garrafa
 traguei

 talvez fosse gole de ilusão
 em inversos destilados

 sei apenas que até hoje
 vomito coisas jamais ditas.



segunda-feira, 3 de junho de 2013

Poema de alguém olhando as nuvens (ou Lembre-se de mim)


 _ evito tropeçar 
                        nos meus próprios sorrisos 
                        um dia te esbarro
                        ilícito!

 _ te peço um cigarro aceso
                        pra queimar
                        o momento

 _ vou te atropelar no tempo
                        testar sua simplicidade 
                        ver se moram ainda minhas
                        quaisquer coisas sem nome
                        no teu futuro coração.

 _ quem sabe eu te encontro crescido?

                        mas ainda menino
                        quando a gente não lembre
                        de acordar...

sábado, 1 de junho de 2013

bolha nº 3 (translúcida)


 bolha
 translucida - nasce, secreta

 sopro-a

 quero-a tanto
 que estoura!
 multiplica-se
 fraciona-se
 parte-se em brilhos
 turvas gotas

 bolha translucida

 transversal

 à inversa lucidez

 da luz.

bolha nº 2 (opaca)


 ... eu queria contar essa história pra alguém. essa história que nunca começa, pois precisa ser contada. como um bordado não existe sem que o tecido seja, primeiro, violado, e a linha o trespasse. não quero divagar. a história nunca começa, sopro as bolhas pra que sejam eternas - mas tornam-se eternos os sopros, morrem as bolhas. as bolhas são mais bonitas, porém. também são as crias que não vingam. e os sonhos que morrem, as falas interrompidas.
 a certeza de que você vai morrer é uma lança que, me cortando, não dói. talvez porque você não signifique nada ainda, talvez amanhã. você é uma bolha que eu soprei - preciso encontrar o sopro. que permanece.

bolha nº 1


 se alguém olhasse bem perto da bolha e visse um universo? nesse universo vivem seres que se perguntam coisas de luzes, de narizes rarefeitos, corpos limpos. a bolha dura um tempo de vento soprar além do muro da casa para rua (espanto e felicidade do gerador da bolha) - nesse tempo único nós deuses estivemos na presença dos seres rarefeitos de narizes, da bolha nascidos, que meio tempo entre a brisa e o estouro tiveram a ousadia de se perguntarem - quem somos eles?

 ***

 antes de se esvair em sabão e gotas, no universo um poeta existia. tiveram a ousadia também de possuir poetas e escreviam coisas. nós deuses não pudemos (mas teríamos) classificado-as grama e filo e mentirosamente tal qual boi em pasto a palavra que emanou da bolha.