terça-feira, 11 de junho de 2013

Viagem


 meu estado de cansaço se descreve apenas como superlativo ou totalmente físico. o cansaço. o tempo varia margeando e eu o sigo - quando chego na rua bresser estou pingando algo cinza cor-olhar. meu pensamento como barco num novo mar ou uma terra sem lei parece até que eu perdi de vista aquilo que eu tentava precisar os contornos _ há rostos e costas, escarpas e morros que eu sempre me esqueço, e ficam confusos se perdem no dia seguinte. quero pensar mas desisto. e o gesto que me move para alcançar se perde. aonde estava o turbilhão que eu amava querer entender? já não sei.
 venho embora e tomo o metrô.
 tenho a certeza de não me possuir ou compreender e acho então ousado querer entender o outro, o passo seguinte, o limiar das pontas dos dedos _ mas explique-me, há tanta gente no metrô, como não posso ou não seria necessário ... são rostos e rostos dos quais eu me lembro, um velho com cara de índio americano, uma mulher cega que me estuda e perscruta ... descambo num vazio e acabo sem querer querendo encontrar um rosto que esqueci na ânsia de tentar assim poder rever a mim, como num espelho; espelho opaco e frio que eu toco com minhas mãos quentes. caminhos enveredam por certezas novas que eu vou colhendo _ adotar um gato _ e viajar _ e ter filhos _ encontrar alguém _ um passeio no parque _ e elas vão se assemelhando a uma vida que não possuo nem é minha. e eu nem desejo nada disso. aquele dia chegando em ribeirão, eu desejei amar qualquer coisa, preciso amar qualquer coisa, preciso olhar o mar e amá-lo preciso ter nas mãos um instante e amá-lo ... hoje de manhã escrevendo este texto, eu desejo



me partir

***

o processo descontínuo de viver é um cansaço infértil em mim hoje e desde que precisei fazer brotar uma hera nos meandros do peito. então, imperplexo ainda, entendo que preciso começar a narrar uma história mas não sei ainda bem ao certo qual delas poderia discursar no meu lugar. de qualquer forma: será preciso a tentativa e o erro, e se me perder o sono ou a conta posso ter certeza que _

 era uma vez, fora de qualquer corpo, aquela ideia insincera de viver ao menos no máximo ou ainda: era uma vez o teu corpo - ou a ideia do teu corpo aos meus olhos, vítreos. se ele pulsava era desnecessário dizer, considerar aquelas juntas como algo próprio de um ser sempre foi muito além de qualquer verdade. simplificando: você é/está. eles são num ser somente. eu sou em ti. você é em lugar algum, porém em qualquer hora do passado, foste. é isto que eu devo narrar. a imprecisão de ser estar enquanto vida pois enquanto homem os adjetivos se desdobram; se confundem onde viver é uma plenitude disfarçada de sombra e você não sabe errar e acertar simplesmente. o momento início é: o corpo, mulher cega e o desejo de amar qualquer coisa em instantes homeopáticos. 

 o corpo:

 (...) meu estado de cansaço é superlativo, entre parênteses apertados tristes e cheios de subjetividades ... eu preferia apenas consentir em nascer e morrer. brotar e murchar. haveriam outras opções além das que, em colisão eminente, meu corpo procurou o teu e encontrou passados? 
 o metrô passa e atravessa o cenário triste da cidade que me abriga entre tempestades, onde você me espera para não ser mais só - e, eu, só mais um ou outro dia. transito entre instantes pois o tempo se curvou ao meu prazer e agora estamos dançando uma valsa em dois... de repente meu lado se preenche de ar ou ausência, variando entre esperas e um barco que sem sonhar se continha no meu calar. de surgir em surgir eu preferi evaporar - espere
                                          era só uma viagem de metrô como qualquer outra, meu corpo perfilando-se ampliando nas curvas. quero contar e preciso contar como me expando em sentir amar por aquilo que se esconde na sua cavidade ocular; onde eu não chego; também não chegam minhas delicadezas. quantas são as partículas que, sem se olharem, se margeiam e formam cada delicada curva no seu corpo tão fora de mim? quando meus dedos alcançaram os vales mais indigestos não havia nada: apenas terra desolada e silêncios. eu chovi inúmeras vezes e não ouvi respostas do tempo.
 por tempos: amo-te. mato-te. teimo-me; desconfiando ao mesmo tempo das palavras. no vagão onde ainda resto ouço falar em amar e matar, teimosias humanas, palavras tão compridas e exatas. mas por "amo-te" me limito a significar: versos que saem pela minha boca e mãos e eu não compreendo. por "mato-te" significo: sombreio e me escondo na multidão, simulando sua ausência agora sempre. investigando assim as palavras elas perderam todo formato sagrado inicial e, por isso, ouso escrever.

 mulher cega:

 (...) ela veio de algum lugar muito à leste da cidade, e ali no vagão ela me encarou com os olhos que não possuía. você me enxergava de pé porém: jamais viu.

 desejo:

 (...) o desejo queima lento, é tão forte incenso ... senti o cheiro queimar longo, madeira, mas eu sentia medo também, e pudor. vi o incenso se desfazer como cinza e a previsão do futuro era essa: parece o inevitável buraco fundo - eu estava caindo e paro caindo e paro até que eu digo - não quero sentir nada disso, quero ser paz profunda que cai lenta até atingir o breu num baque - eu já não cheguei no tédio? não, eu cheguei na primeira barreira até lá e foi insuportável sentir o calor que emanava. quero o sangue mas não posso suportar; quero a paz e não posso suportar tão menos. não suporto oestes e lestes: meu cansaço é bidirecional. 

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