sexta-feira, 10 de junho de 2016

Felicidade-Shopping


 que coisa engraçada a gente é quando se descreve. principalmente na internet, nos aplicativos, currículos íntimos... há sempre algo sobre felicidade, paz, boas energias e umas calhordices assim.
 fiquei cansadinho de tanto vocabulário positivo, alegre. me veio uma frase: eu não confio em gente feliz, mas não sei quem disse. ou o ser é cego ou é canalha mesmo - olha esse mundo aí - ser tranquilo e feliz num carro indo prum shopping, por exemplo. do lado de uma favela perto dum córrego poluído no ar poluído. aí um menino pede no sinal. o sinal abre. e aí várias filas, do estacionamento à loja de porcarias, passando pelo restaurante de porcarias.
 você sai, um homem dorme na grama em frente ao shopping.
 bom, isso tudo ainda dá pra relevar, né mesmo? mas a coisa piora por que tem lá dentro da gente também, uma inquietação. uma curiosidade das coisas, um medo profundo de dormir. de repente um carro freia em cima de você na rua, passa tão perto e a ferida (talvez até mesmo a morte) ficaram tão próximas, a gente pensa... olha eu podia morrer né. e aí a gente fica meio morto ali mesmo. mais simples talvez: entre as luzes da cidade as estrelas nos chocam com seus mistérios racionais e sua vastidão. é impossível ser feliz assim diante dos absurdos do casual, do imprevisível, do vasto. a incompreensão come tudo. 
 mas nem todo mundo pensa nisso, é verdade. e, oras, ninguém realmente é obrigado a pensar rio, homem, estrela, morte e sinal. talvez se pensassem, a maioria dos homens ficariam paralisados demais, deprimidos demais. talvez mudassem o mundo. não sei. mas que a deusa me livre de gente assim. 
 entre a felicidade-shopping e a esfinge, me jogarei eternamente nos enigmas insensatos que em nada dão.

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