quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Catedrais, Turistas



 rajadas violetas, quebram-se, em vitrais. altas imagens, santos, altar central. a catedral de santiago do chile é um lugar muito triste, esgota a paciência. a catedral da sé por sua vez é triste mas é brasileira, e nisso feliz. entrar em catedrais, igrejas, um passatempo tão infeliz. a igreja anglicana de Valparaíso sem cruz sem adorno lembra uma beata seca, pura, austera. não há vitrais, a água-luz esparrama líquida, imagino - não entrei nela. imagino também o silêncio do edifício vazio, a saudade dos muros de ingleses chilenos que são pó na terra hoje, asco dos turistas todos. os turistas causam um certo nojo, mesmo aqui no Brasil onde o estrangeiro é tão venerado. há algo obsceno no turista, cria uma inveja estéril deixando a gente toda no vazio. essa pessoa sem casa, sem mundo, essa pessoa chegada de longe sem raiz, observando com olhos fluídos o que corre pelos olhos.
 essa pessoa sem casa que está pura diante do desconhecido. talvez não queria nem entender o que se apresenta, absorve vitrais águas-luz estilhaços multicor sem afinco, sem pressa. (há turistas e turistas, refiro-me aqui aos viajantes portanto, aqueles cujo entretenimento é tudo que se lhes alcança os olhos, toda realidade nova vibrante do exótico não pertencer). a catedral é pela primeira vez compreendida em sua simplicidade - prédio de culto religioso adornado - extraído de seu contexto talvez pronto para ser só edifício. imagina esse viajante alguém de outra cultura não-cristã, até mesmo: alguém que desconheça o significado de igreja. estar ali onde não se conhece é desconhecer significados prontos, estar mais próximo da coisa simples da coisa. 
 por não me ser familiar, amo aquilo que vi por completo, pois vi sem saber o que era antes e sem anteceder seu futuro. aceitei seu presente como dádiva e abracei na memória a passagem por tais vielas escadarias ruas. 
 seremos também templos? cheios de dogmas, eucaristias e sacramentos, mas vazios tão vazios durante as semanas, adornados, cercados por vitrais. a luz entra também na gente se estilhaça. me perdoe o que é familiar mas, tão cheios de passado, tão sedentos de futuro, se perdem no que sou e me desconhecem. de repente uma visita estrangeira me assusta me grita me exaspera - quem abre as portas assim, não reverencia os santos, muda flores de lugar? dessacralizado somos não templos, não edifícios, não gente não nada, oh entidades... somos aquela coisa prima, aquilo que vê o espelho e murmura um grito de prazer intenso: sou; portanto, vê-me e aceita, comunga comigo esse medo de saber.
 visita estrangeira, conta pra mim este mistério em que vivo!

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