domingo, 28 de fevereiro de 2016
Pra gostar de alguém VIII
faz um varal
de dentro
onde instantâneos secam lentos
cenas de noite, gozo ou memória
olha o aceno que contêm
e dum olho úmido para teu olho úmido
respeita o cheiro que exala
a memória de tocar
o corpo que carrega.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
Pra gostar de alguém VII
aquele silêncio que ficou depois
que ninguém canta
entre fronha estante e veste
caída na entrada
estrada de beira, onde o mar
castiga a casa, passante e pássaro
apreenda
além da roupa, no chão,
também deixou cair
a nudez de dentro
desaprenda
pega essa nudez! veste
fica em silêncio uma tarde
silêncio entre fronha, estante e prece.
Pra gostar de alguém VI
do abismo que separa tua mão
da tua mente tua voz da tua palavra
tua boca do pensar tua vida
da tua morte
sente o vento que sopra
e sente, pelo olho, sobe
súbita crescente, tua
semente
no ser de alguém.
Para ser de menos
despejo um lamento
uníssono e inequívoco
mas torpe poema pesa
pende ao lado e torna
no chão, poças
bolhas espessas de peso
e pingam, pingam
pingam
de repente seco fica o canto
voz quebrada em caco
perplexo poeta paro
e rio
"o que houve?"
"não foi nada
só foi um copo
que caiu".
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
Poema bem bobo
cego para a chuva que cai lá fora
imagino
os turbilhões vazando rios
tinha até um mundo a dizer
mas sumiu
desfez-se na sinfonia torrente
a gente vive tão pouco pra se anuviar. melhor
chover lá fora
que aqui dentro.
sábado, 13 de fevereiro de 2016
Acho que entendi
'que horas você pode?' 'ainda não sei' ( ) 'é que eu precisava muito sabe' (...) 'precisava do que?' 'precisava dizer algumas coisas' 'não dá pra dizer agora?' 'é que ... é que ... olha não não dá é algo assim que eu não sei bem dizer então preciso dizer pessoalmente' 'tudo bem' 'sabe ontem eu vi ele' 'ele quem?' 'aquele do dia da chuva' 'não lembro' 'aquele das escadas' 'sim' 'eu vi ele e fiquei voltado no tempo' '...' 'fiquei pensando nessa época toda' 'o que você sentiu?' 'achei graça' 'de ver ele' 'nada' 'nada mesmo?' 'não' 'vocês transavam?' 'não' 'talvez por isso' 'eu tinha um pouco de pena sabe' '...' 'é que eu queria muito cuidar sabe' 'cuidar como?' 'não sei, um carinho qualquer coisa, ele não tava bem sabe' 'não entendo' 'eu também não muito' ( ) 'me fala de você' 'eu o quê?' 'o que tem aí dentro?' 'dentro de onde?' 'dentro de tanta pergunta' ( ) 'não entendi' 'você já se assustou olhando no espelho?' 'não' 'é assim: você olha no espelho e vê alguém, mas por um momento você separa sua imagem de você e quem vê não é quem é visto' 'talvez' 'eu não me vejo no espelho' ( ) 'talvez quem você veja não seja quem eu sou' '...' 'sabe?' 'acho que entendi' ( ) 'mas a gente gosta de quem a gente vê' 'então' 'então o quê?' 'era isso eu eu preciso dizer mas ainda não sei' (imagem se forma na mente. passa um ônibus.) 'eu vou embora viu? me manda mensagem' 'ok' 'não esquece' ok
Segredo IV
velo a hora imprópria
do medo - ronda
estrondo violento
na mata, e um silvo
ardendo, queima
em ensolarado dia, raio
caio vibrante, diante
do pensamento, tremo
num instante, imaginei-te
ausente
dum pensamento, diante.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016
Catedrais, Turistas
rajadas violetas, quebram-se, em vitrais. altas imagens, santos, altar central. a catedral de santiago do chile é um lugar muito triste, esgota a paciência. a catedral da sé por sua vez é triste mas é brasileira, e nisso feliz. entrar em catedrais, igrejas, um passatempo tão infeliz. a igreja anglicana de Valparaíso sem cruz sem adorno lembra uma beata seca, pura, austera. não há vitrais, a água-luz esparrama líquida, imagino - não entrei nela. imagino também o silêncio do edifício vazio, a saudade dos muros de ingleses chilenos que são pó na terra hoje, asco dos turistas todos. os turistas causam um certo nojo, mesmo aqui no Brasil onde o estrangeiro é tão venerado. há algo obsceno no turista, cria uma inveja estéril deixando a gente toda no vazio. essa pessoa sem casa, sem mundo, essa pessoa chegada de longe sem raiz, observando com olhos fluídos o que corre pelos olhos.
essa pessoa sem casa que está pura diante do desconhecido. talvez não queria nem entender o que se apresenta, absorve vitrais águas-luz estilhaços multicor sem afinco, sem pressa. (há turistas e turistas, refiro-me aqui aos viajantes portanto, aqueles cujo entretenimento é tudo que se lhes alcança os olhos, toda realidade nova vibrante do exótico não pertencer). a catedral é pela primeira vez compreendida em sua simplicidade - prédio de culto religioso adornado - extraído de seu contexto talvez pronto para ser só edifício. imagina esse viajante alguém de outra cultura não-cristã, até mesmo: alguém que desconheça o significado de igreja. estar ali onde não se conhece é desconhecer significados prontos, estar mais próximo da coisa simples da coisa.
por não me ser familiar, amo aquilo que vi por completo, pois vi sem saber o que era antes e sem anteceder seu futuro. aceitei seu presente como dádiva e abracei na memória a passagem por tais vielas escadarias ruas.
seremos também templos? cheios de dogmas, eucaristias e sacramentos, mas vazios tão vazios durante as semanas, adornados, cercados por vitrais. a luz entra também na gente se estilhaça. me perdoe o que é familiar mas, tão cheios de passado, tão sedentos de futuro, se perdem no que sou e me desconhecem. de repente uma visita estrangeira me assusta me grita me exaspera - quem abre as portas assim, não reverencia os santos, muda flores de lugar? dessacralizado somos não templos, não edifícios, não gente não nada, oh entidades... somos aquela coisa prima, aquilo que vê o espelho e murmura um grito de prazer intenso: sou; portanto, vê-me e aceita, comunga comigo esse medo de saber.
visita estrangeira, conta pra mim este mistério em que vivo!
visita estrangeira, conta pra mim este mistério em que vivo!
Poema de metrô II
te pensei no decorrer-se
vagões, escadas
pernas soltas por lances
às largas
era um passo que irrompe
em estalo. febre.
te pensei como havia de ser um dia
uma bolha reluzente no segundo
dois homens que se encaram
três cílios sobrados na cara
toque no corpo que toca
e mais nada
terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
Segredo III
onde lançam ouro à deriva
sementes serão festejadas
pois se laçadas no peito
não enfeitam, mas brotam.
Arrependido
preferia não ter brincado de nada
ficado quieto
na calada
percorrido pela ânsia
o elevado, a murada
de lá caído, saltar ao contrário
e voltar pra casa.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
Resumo da ópera
etílico
rolha vinho taça
errático
sala quarto escada
histérico
vaso parede caco
apático
mão vacila texto
mente escreve cartas
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