quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

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já não é preciso falar de lamentos inventados. o amor é isso: cresce, frutifica, morre - e esperaremos morte e ressurreição como qualquer sábado de missa, até nascer outro amor. por isso pouco importa, ao mundo e aos que tem dúvida, ouvir falar de amor. há outras perguntas esquecidas, deixadas para trás no turbilhão do fascínio romântico que nos leva cada vez mais para baixo: o que é ter um nome, se eu não sou um nome? 
meu nome é uma cortina para o que sou. atrás, o espetáculo corre solto, manso ou frio. mais uma vez, eis o fio fino da lâmina do romântico: o que se ama, o nome ou o estar? quem é aquele que por trás do nome sente-se amado? o outro é sempre um mistério crescente - quanto mais próximo, maior e mais profundo. quando se fala ao outro, fala-se ao outro ou a si próprio refletido no outro? será o outro o interlocutor impossível, sempre distante demais daquilo que eu quero dizer, sempre incapaz da compreensão plena? o interlocutor pleno vive dentro de nós (?), e o chamamos deus pois ele nos ouve e dá a resposta plena e completa do tempo: o silêncio. 
vive aí o espetáculo atrás do nome, o monólogo (?) ininterrupto de nós (eu) para o lago profundo dentro daquilo que somos (o não-eu, o reflexo do que dizemos que nos volta alterado e imperfeito). até onde somos alguém, muitos, dois, outros, o outro?
ao redor flutuam as perguntas esquecidas. no fluxo dos lamentos inventados de amor, é preciso não chegar onde ele deságua (da boca pra fora), mas voltar à nascente e descobrir onde ele se origina. nada disso é sobre o amar. estamos falando, detrás das cortinas, de solidão.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Sinais II


 se no copo
 um corpo
 cair

 se na poça
 um corpo
 afogar

 és tu, cavaleiro
 querendo das vírgulas
 voltar

 és tu: cavaleiro
 pela porta da frente
 sair

O que está, é


 seco com os olhos o pulsar da barra. ela me aguarda. mas hoje, hoje,
 hoje eu não tenho o que escrever - eu minto.
 ela prossegue no aguardo, como quem sabe e nem desconfiaria do contrário. me deixe estar hoje,
 pelo menos

 'nem pense' - e pulsa

 'eu não só sei como vejo'
 'você anda lendo aqueles velhos textos, vendo fotos antigas, eu vejo você
  caçando percevejos
  em arcas perdidas. revolvendo amores frios pra ver se encontra algum arrepio, um postal, selos'

 'leia os clássicos' 'coma menos' 'diga apenas diga, escreva com o estômago pois as mãos estão cansadas'

 eu escrevo com o estômago. o cérebro pensa, a mão digita, mas quem escreve é a víscera crua mesmo, assim sem repulsa ou decoro. mágica, ela tira a fita comprida colorida e infinita que parecia não estar lá - um coelho, uma moeda - e de repente sai uma festa que deu errado um copo de whiskey cerveja vodka ou percevejos em arcas perdidas. foto que eu guardei (virtual e cruelmente). um dia de chuva e eu na marquise olhando o teto cair e a santa cecília pedir: menos, menos, calma que a gente é fraca e o santo é pouco... a parte triste é o que sai da gente não poder ser lido por mais ninguém, ninguém entende o que quer ser dito nem o que se tentava dizer. eu não quero mais dizer nada, bote meu estômago para dormir, eu quero falar em cinema, imagens dispersas de dias que acabaram e não falam mais nada. o passado está morto, o que está é, e o que sobra se faz agora.

 'eu sei'
 'pode dormir'

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Momentos / Memento


 quem descreverá o espaço entre a borda e o abismo?
 quem tentou ficou no meio
 quem imagina fica mudo

 eu flutuo no espaço
 do instante
 em que alcanço
 o fundo

sábado, 20 de dezembro de 2014

Dois Versos de Boa Noite


 longe do sol
 que a contorna
 a sombra não é forma

 anoitece e descontornado
 me conto histórias
 para dormir

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Poema (ditado pelo espírito...) - V


 - qual seu nome?

 meu nome?
 não é meu
 nem eu o tenho

 ele é quem me tem

 eu
 não é primeira pessoa
 és antes ou depois

 éres repleto
 sem forma

 um cheio
 nu vazio

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Desejo II

 animal, entra
senta em minha casa

toma minha mão pra si
guia-a dentro
das tuas vísceras
febris

arranca com minha mão
a espada fincada
em ti

 ***

descobre em mim
o nada

esquece meu nome
minha fala
tudo que escrevi

descobre em mim o nada

ali estarei

***

serei teu, violeta
sangue da raça
livre e sem fim

penetra canino
na carne

separando teu corpo
de mim.