terça-feira, 2 de julho de 2013

Se eu pudesse, queimaria tudo o que escrevo


 (...) descontinuo essa frase maior e enterneço: na acolhida ela vai se romper em orações e preces cairão pelo chão como frutos. enquanto for preciso partir, as palavras também se romperão, sílabas dispersas de balbuciares... seria mais simples não discursar, mas o que eu digo não tem à quem; enquanto o receptor se confunde com as mobílias confesso quadros e criados-mudos.

 agora também vão nascendo vírgulas e espaços pelos vasos do corpo-coração, nas paredes do quarto e na sombra daquele corpo invólucro. mas não é condenável, minha frase maior apenas se prolonga pelo humano e toca a irrealidade... o inventado, vivo, sufoca. num aquário violento, o peixe verbo se afoga, violetas nos vasos e no divã, corpo.

 a irrealidade é tal: não há quadro nem divã nem corpo, o peixou estou e o aquário é a retina. violeta é a sombra noturna que apagou as formas do amanhecer e entregou o dia nublado. não fosse necessário discursar, porém destituir de signos o discurso, entregar apenas a matéria que nunca valeu de nada ainda que fosse tudo que houvesse. até hoje a irrealidade apenas me descobriu em lados não nascidos: natimortos: abortados.

 de todas as formas, amo o infinito por não ser forma; dos sonos, os despertos por estarem em fuga; dos sons o silêncio, pela ausência; dos fantasmas os que vivem, pela incompletude. dos amores, nenhum: são engodos da gente pois há algo maior que eles. eu sinto silêncios ao invés - é tudo o que possuo, quando meu corpo em outro se desfaz e desatam os nós da existência; um abandono de mim em mortes pequenas.

 se eu pudesse, queimaria tudo o que escrevo.

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