sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Nota sobre escrever


 procuro-me, não darão recompensas: seja feliz por completar alguém dividido ao meio. 

 um menino fez as palavras do barro. Deus não saberia as palavras. Deus não existe por não possuir poesia. só é divino o que compreende a poesia e Deus seria sólido, grave, e repleto de anjos e obras. Deus seria sem perdão mesmo perdoando, indelicado mesmo na ternura, rude ainda que dulcíssimo.
 existe divindade na ordenação das frases. oração, assim chamam, coisa que pede, clama, abençoa.  
 escrever é um ofício horrível, horror, terror. quando vem a barca do medo e me estende uma mão: vem navegar entre palavras. não as quero mais. quero apenas voar no céu, percorrer o lugar comum de viver e morrer muito calmamente como um ser homem deseja desde que nasce. 
 porém me foi proibido recusar o convite desse barqueiro - vem, ele diz - e eu vou. se eu não escrever, definho. apenas escrevendo me percebo, de outra forma minha outra margem me fita distante e sinaliza, esboça uma explicação que mal vejo, ouço... é escrevendo que registro essa conexão, neste barco trafego trazendo mensagens de cá e lá, entre eu aqui e eu na margem outra. 
 ninguém me conhece por que não sei me fazer como sou. 
 vivo tudo isso que escrevo, tudo quanto mais difícil. 
 se eu pudesse, não escreveria jamais. quero ser rebatizado sob o nome de guillaume, nascido sob um signo prático: capricórnio. nasceria em qualquer lugar, onde ninguém escreveria em papel, sim em areia, para que pela manhã o mar ou o vento tivessem apagado tudo. brincaria de inventar paisagens. doeria apenas não ter conhecido quem eu tanto amo, mas há dores que nunca se apagam, por mais fortes que sejam o mar ou o vento.
 morreria analfabeto.

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