domingo, 15 de setembro de 2013

(...)


 percorre

 senta-se na sala sem pedir licença

 revoa

 no peito. nos olhos. entre escarpas
 senta-se na mesa feito familiar

 atenta

 tenho os sonos todos tranquilo
 e os acorda. a alma feito criança
 de colo. perturba-a. revoa-a.

 sabe

 meus olhos são profundos como
 a profundidade dos campos. vê
 limpos como os desertos. repisa
 pegadas de mentira. amedronta
 se soube-se a rota das nuvens

 mas só conhece os meios dos homens!

 acredita-se matéria
 mas é só um campo de girassóis
 inocentes

 engana-se

 os dias nublados são dias de Sol disfarçados!

sábado, 14 de setembro de 2013

Monólogo (trecho II)


 [joana] : te aceitarei como outro
              não menos nua. não menos clara.
              mas como eu, uma vez criança, aceitei a lua
              que me impedia o sono.

              e, como o fiz, te deitarei na minha cama

              cobrirei com minhas mãos teu olhos
              você estará nublado, eu solta, volto
              te guiarei cego pelas vias do meu coração
              quando você chegar no remanso, âncora
              faz aquele som doce dum prazer terreno
       
              e, como antes, te deitarei sobre meu peito

              você, que é ponto de passagem, brota
              nos vincos estéreis meus. amei primeiro
              tua tristeza infinita. você amou meus versos
              ao contrário do mundo, nosso amor é rio
              correndo profundo, largo. voltarei, eu o sei
           
              e como sempre, levarei apenas a roupa do corpo
              pobre, mal possuo.
             
              sim, o fiz - antes e sempre.

 (...)

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Durma bem, amor


 você diz: gosto dos seus poemas
 neles
 eu compreendo melhor
 o que você sente

 pois pense
 que nem sempre há sentimentos
 para poemas

 mas isso não faz mal: um poema
 pode ser feito de fingimentos
 sentimentos de papel machê
 e garrafas pet

 agora, meu amor
 nem sempre há poemas
 para o sentimento

 então, aqui estou eu,
 nem sei contar o que sinto
 nem sei sentir o que sei

 nenhum poema hoje vai contar o quanto de coisas
 eu queria contar. desisto:

 hoje vou mandar só um beijo de boa noite

 durma bem.

Curta


 _ tó, mãe
 _ o que é isso, meu filho?
 _ é tempo mãe, você falô que tava sem

 mãe e filho se encaram. o filho estende o pote cheio de cascas de caramujos de jardim, as mãos sujas. sobra um silêncio, passa um minuto

 _ pega mãe, que o tempo tá passando
 _ tá filho ... pera ... mamãe tá meio ocupada, deixa no balcão que eu já pego
 _ mãe, o tempo já venceu, ó, cabou
 _ ...
 _ agora só tem caramujinho. deixa. eu pego mais depois, que agora eu tô sem tempo, vou falar com a Nina.
 _ ...
 _ tchau mãe.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Monólogo (trecho)


 [ele] : joana, sei 
          que voltas
           me ronda uma certeza
           rara
           sei que te preparas

          joana, sei
          que voltas
          não o desejei - estava
          resignado

           joana, sei que acreditas
           é como a providência divina
           dissertando sobre ventos
           no coração dum ateu.


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Nota sobre escrever


 procuro-me, não darão recompensas: seja feliz por completar alguém dividido ao meio. 

 um menino fez as palavras do barro. Deus não saberia as palavras. Deus não existe por não possuir poesia. só é divino o que compreende a poesia e Deus seria sólido, grave, e repleto de anjos e obras. Deus seria sem perdão mesmo perdoando, indelicado mesmo na ternura, rude ainda que dulcíssimo.
 existe divindade na ordenação das frases. oração, assim chamam, coisa que pede, clama, abençoa.  
 escrever é um ofício horrível, horror, terror. quando vem a barca do medo e me estende uma mão: vem navegar entre palavras. não as quero mais. quero apenas voar no céu, percorrer o lugar comum de viver e morrer muito calmamente como um ser homem deseja desde que nasce. 
 porém me foi proibido recusar o convite desse barqueiro - vem, ele diz - e eu vou. se eu não escrever, definho. apenas escrevendo me percebo, de outra forma minha outra margem me fita distante e sinaliza, esboça uma explicação que mal vejo, ouço... é escrevendo que registro essa conexão, neste barco trafego trazendo mensagens de cá e lá, entre eu aqui e eu na margem outra. 
 ninguém me conhece por que não sei me fazer como sou. 
 vivo tudo isso que escrevo, tudo quanto mais difícil. 
 se eu pudesse, não escreveria jamais. quero ser rebatizado sob o nome de guillaume, nascido sob um signo prático: capricórnio. nasceria em qualquer lugar, onde ninguém escreveria em papel, sim em areia, para que pela manhã o mar ou o vento tivessem apagado tudo. brincaria de inventar paisagens. doeria apenas não ter conhecido quem eu tanto amo, mas há dores que nunca se apagam, por mais fortes que sejam o mar ou o vento.
 morreria analfabeto.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Tentativa de contar uma história


 vamos contar agora uma história simples, sem palavras gordinhas ou destiladas: era uma vez... ou não era uma? eram duas? eu não sei ou não me lembro bem...

 "o vento estava recheado de palavras". que lugar comum, falar do vento... só eu sei o que quero dizer com isso - no entanto, houve um vento essa tarde, cheio de garoa e recheado de poemas não-escritos, eu soprava pra calçada procurando o fio da meada e só encontrava ladrilhos. não me preocupei por que eu também não precisava me explicar, apenas seguir.

 olha: minha história assim se complicando... quero atingir a simplicidade para poder me entender. vamos dizer então que era assim: não tinha mais vez, eram dois e um só (queria pular no céu). mas como pular no céu se estamos caminhando na superfície do mundo? você se lembra: o céu também está no reflexo dos olhos, e eu posso pular neles, mergulhar como mergulho na água fria do atlântico sul, meu querido e amado atlântico sul.

 talvez eu mal saiba contar histórias. às vezes eu admiro os ladrilhos da calçada e penso no atlântico sul e nos seus olhos. e nada disso faz mais sentido quanto minha cabeça pretende querer inventar, e estou me contentando em não fazer sentido nunca... talvez por que isso há de me fazer contente de fato.

 era pra contar uma história? lá vai - era uma vez alguém (não eu) caminhando por aí ao lado de alguém (não você). pelas calçadas por aí, esse alguém ficou olhando os ladrilhos do chão pensando em mares do sul, o único que de fato conhecia. assim como o mar, ladrilhos tem um brilho aquoso, aquele dos olhos... dá uma desejo de mergulhar lá dentro (dos seus olhos). talvez lá, uma ilha ? e quando você olhar o céu, mergulhar no céu. pode ser que esse alguém nunca chegue de tanto olhar pras calçadas por aí, pensando em mares do sul... não faz mal nunca chegar. não importa. importa é caminhar, é seguir em frente, é ficar assim, mergulhar no silêncio e beber dele. 

 ***

 caminhando por aí talvez eu encontre comigo bebendo uma cerveja e falando de intermitências... com o olhar vago de alguém que entende estrelas e mares. por enquanto, no entanto, estarei aqui, escrevendo as pistas que deixo para o futuro me decifrar.